#203 Queria ser grande, mas desisti
sobre cidades imaginárias - e uma novidade para quem gosta de Sally Rooney \o/
Ilustração de Sarah Andreacchio
Para chegar à Vagarosa é preciso pegar a estrada de terra que fica à esquerda do último posto da rodovia que leva ao litoral. O percurso é de um sacolejar intenso e, por isso, é com alívio que os viajantes descem do carro ao final da estrada e seguem o restante do caminho a pé. Depois de alguns minutos de trilha, descendo a encosta de uma colina, é possível ver os primeiros telhados. Todos vermelhos, com ondulações. As casas são térreas e não parecem ter paredes, só janelas. Quando o relógio marca dez horas e está sol, os raios tocam os vidros e são lançados em direção à trilha. Os visitantes, então, percorrem os últimos metros numa cegueira de luz. Os olhos se adaptam aos poucos e podem, enfim, examinar o vilarejo. Cinco ou seis ruas, uma praça bem no coração da comunidade. Os habitantes estão todos lá, quase sempre. Saem de suas casas ao primeiro sinal da manhã e retornam com as sombras tocando o chão. As horas do meio transcorrem entre tarefas domésticas compartilhadas e rodas de conversa. Aos finais de semanas, as crianças se encarregam de criar mundos em forma de peças de teatro. E com um a dois meses de intervalo, uma jovem viaja até Vagarosa para contar as notícias recentes. É comum ver os moradores assustados com o começo de uma guerra e minutos depois ouvir seus suspiros de alívio quando são informados de um acordo de paz. Festina lente — ou, apressa-te devagar. Esse é o lema gravado numa placa de madeira fincada numa árvore visível apenas para quem pega o caminho para voltar ao carro, à estrada de terra, à rodovia, à correria.
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Pensar em Vagarosa, esse vilarejo imaginário, serviu de dose de esperança, de otimismo. Foi um dos exercícios da oficina de escrita conduzida pela Leda Cartum — com inspiração do livro As cidades invisíveis, de Italo Calvino. E como tem sido bacana fazer parte deste grupo, sério. Subestimei o valor de ler o próprio texto em voz alta e também de ouvir os escritos dos colegas. Trocamos comentários carinhosos, sugestões. O lema do final do texto, por exemplo, foi sugestão da Leda. No lugar de festina lente, eu tinha colocado uma frase sem graça, puramente literal, que quebrava a aura de sonho da descrição. Troquei pelo oximoro em latim e me agradou de cara — um tanto de paradoxo é sempre bom.
E hoje tenho uma novidade para compartilhar: fui convidada pela Débora Tavares, do Livre Literatura, para ministrar em conjunto uma oficina sobre a adaptação para a TV do romance Pessoas Normais, de Sally Rooney. Estou TÃO feliz <3 Serão três aulas em novembro para a gente discutir os protagonistas, o espaço e o tempo da história, os diálogos e as falhas de comunicação, as cenas de sexo e de intimidade \o/ E tem desconto para os inscritos na newsletter! Basta usar este cupom: QUERIASERGRANDE15.
Para quem é novo por aqui, estou pesquisando os romances de Sally Rooney no mestrado ;) E vou aproveitar e deixar uma listinha dos textos que já enviei sobre ela:
- quando li Pessoas Normais pela primeira vez
- resenha de Belo mundo, onde você está
- e minha opinião sincera - e frustrada - sobre a adaptação de Conversas entre amigos
E na edição passada falei sobre como tenho me organizado (ou não) para dar conta da pesquisa + trabalho + maternidade + newsletter
Um perfil: Vita lenta
Motivos para amar Annie Ernaux, agora vencedora do Nobel de Literatura — sou fã de carteirinha!
A Piauí resgatou este texto de Ernaux sobre a virada do milênio ;)
Sobre escrever — um ensaio que desmonta a ideia de que escrita é algo iluminado, sempre prazeroso
O encontro com nossos textos do passado
Você é a mesma pessoa que costumava ser?
Como criar pequenos democratas
Morri de amor com o Roda Viva versão Cocoricó <3
Isso não é feminismo, querida — texto para quem, assim como eu, está presa nos babados sobre o filme Não se preocupe, querida
Dos vídeos que eu mais gosto de ver na internet todinha
Os seis estágios de quem tem muitos livros
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
como eu amo acompanhar seus textos. e quanta novidade boa!!!
Adoro oficinas de escrita. Comecei em uma em janeiro, com a Aline Bei, e desde então procuro estar sempre em alguma. Me deixa com a escrita melhor e amplia meu olhar, além de conhecer gente boa. haha Seu conto ficou ótima, a frase final foi <3