Encontrei uma amiga que está fazendo um curso intensivo de culinária. Estávamos sentadas num café perto da estação Brockley, observando a equipe preparar um churrasco do lado de fora. "Você sabe por que todas as luvas, lenços e curativos em cozinhas profissionais são azuis?" ela me perguntou. Eu não sabia. "É uma cor que não ocorre naturalmente nos alimentos. Se um pedaço dessas coisas cair no seu prato, você vai perceber. Segurança alimentar."
E eu pensei: eu gostaria que a papagaiada capitalista viesse em azul. Porque parece que ingerimos demais disso e está nos deixando doentes.
Eu também queria, Polina Zabrodskaya. Queria demais. Porque aí eu não cairia na cilada de confundir a exaustão diante de dias de uma rotina exigente com uma falha moral, com uma falta de iniciativa, de esforço, de disciplina. Se toda a estrutura que consome minhas horas e minha energia viesse marcada em azul, eu não me deixaria enganar tão fácil. Porque não é que se possa apenas fazer uma coisa por vez, fechar a porta da vida e falar: tchau, vou trabalhar, depois eu volto. Não, o sistema que criamos nos impõe apenas o acúmulo. É preciso trabalhar para a empresa, trabalhar para si mesmo, arrumar a casa, cozinhar, cuidar do filho, alimentar a relação com os amigos, com o marido, se vestir de um jeito bacana, manter a unha de um jeito aceitável, passar um ácido no rosto, o protetor solar, não escapar dos exames de rotina, fazer exercício, envelhecer graciosamente (leia-se: sem deixar transparecer que o tempo está passando), acompanhar os filmes mais bacanas, as séries mais originais, os livros que não param de comentar. E é imperativo fazer tudo com um sorriso no rosto, sem acusar nenhum golpe, manter o ritmo lá em cima, o tempo inteiro, sempre inspirada, sempre com ideias, sempre disposta. E quando a gente não consegue, nossa senhora, A CULPA vem. Culpa do quê? Nos últimos meses, entreguei uma dissertação que escrevi sabe-se lá como, que defendi com distinção, com indicação para publicação, fui promovida para uma vaga importante e a newsletter ultrapassou os quinze mil assinantes. E ainda assim, AINDA ASSIM, eu me sinto EM FALTA. Tudo porque agora, depois dessa maratona, estou me arrastando por aí, incapaz de retomar a marcha frenética que é necessária para dar conta das centenas de desejos que tenho. Mas não é normal estar assim vazia? Dei tanto tanto tanto tanto de mim, por que não ter paciência e esperar que meus bolsos se encham de novo? Por que exigir tanto de mim mesma em vez de me dar um tempo das cobranças? Porque esse tempo não está disponível, porque esse tempo não é reconhecido ou celebrado. Porque esse tempo não pode ser medido materialmente, ele não conta como produção. E se não conta, como é que se defende? Sozinha? Impossível. O que é da estrutura não se derruba com uma mão só. Mas talvez dê para pintar de azul, num tom bem gritante, daqueles tipo marca texto. Vai que assim gruda na minha retina e eu lembro de pegar leve? Lembro que faço muito, faço bem, mas que não faço TUDO — e nem posso e nem quero e nem devo.
Dito tudo isso: minha festinha de aniversário me fez muito feliz e a partir de sábado à tarde ESTOU DE FÉRIAS \o/
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A vida virou (só) performance?
Women whose lives are food, men whose lives are money — que coisa mais linda <3
Às vezes eu esqueço que existo
Um ato de autonomia
Um conto sobre escritores que perdem a cabeça
A festa do caqui do mercado editorial
Os livros que inspiraram Lena Dunham enquanto escrevia Too Much
Suspensa entre duas línguas
Fiz esse folhado de abobrinha pra servir na festinha e ficou bem gostoso ;)
Quatro por quatro = uma das melhores novelas de todos os tempos
Mencionei as férias e isso quer dizer o quê?! O bom e velho dilema de que livros levar comigo para apenas sete dias na praia. Como envolve um voo, o objetivo do momento é levar algumas coisas em papel, só os fininhos, e aí complementar com o Kindle. Os candidatos:
O invencível verão de Liliana, de Cristina Rivera Garza e tradução de Silvia Massimini Felix — este já estou no meio e gostando bastante
Sem despedidas, de Han Kang e tradução de Natália T. M. Okabayashi
Vida à venda, de Yukio Mishima e tradução de Shintaro Hayashi
Frankito em chamas, de Matheus Borges
Análise, de Vera Iaconelli — será lançado agora dia 22 de julho ;)
Demon Copperhead, de Barbara Kingsolver e tradução de Heci regina Candiani
Horas azuis, Bruna Dantas Lobato
Krakatoa, de Veronica Stigger
Semana passada, enviei para os apoiadores um vídeo de MAIS DE UMA HORA sobre escrita de não ficção <3 Uma conversa cheia de exemplos do que me atrai ;)
E já está disponível para todos o vídeo do mês passado:
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Gostei da tradução de "bullshit" como "papagaiada" 🙏🏻
Mais um texto impecável, que me pego fazendo movimentos de afirmação com a cabeça. Boas férias, Babi!