Leio de tudo e gosto de bastante coisa, mas percebi que as histórias que mais me tocam são aquelas sobre a vida comum, com o ordinário tomando o protagonismo para si.
Oi, Babi! Ia responder seu e-mail, mas achei que cabia comentar aqui. Tô com você, amo as narrativas cotidianas e fiquei doida pra ler o Zambra, que não conheço. Mas queria comentar um link que você colocou sobre a vida ser mais feliz com ou sem filhos e, partindo de um ponto de vista dos espaços do patriarcado e dos núcleos familiares individuais e isolados, como arquiteta, cada vez eu acho mais cruel a ideia de que a vida com filhos é pesada em si. Como uma pessoa que não tem filhos, mas quer ter, eu penso que o que eu quero é construir um cotidiano, um dia-a-dia gostoso que envolva criar outras pessoas. Não imagino que ninguém que queria filhos se inscreva para uma vida em que "não há ninguém pra ajudar, não há ninguém pra cuidar da casa, o pai tão consta, as frustações e a falta de sono são o tom da vida pros próximos 10 anos". Penso que, nesse cenário, algo deu muito errado, sabe?! Entendo que é a vida de muitas mulheres, ainda mais nos grupos vulneráveis, mas fico achando que maternidade e paternidade não são sobre isso. Que ninguém entraria na fila pra uma vida de tortura e insatisfação. Mas hoje em dia parece que, se você tem uma rede de apoio com familiares e amigues, que tem ajuda paga e uma estrutura confortável pra criar os filhos, você é a exceção da exceção da exceção. Penso que frustação, cansado, sobrecarga e angústias fazem parte da vida, com filhos ou não (outra coisa pq parecem às vezes descrever a vida de solteiros como verdadeiros paraísos). Enfim, me alonguei mas meu objetivo era só mesmo dizer que o capitalismo e o patriarcado criaram uma forma de vida que aniquila a felicidade não pq crianças precisam de atenção, mas pq sofrimento rende renda para terceiros. Beijos e desculpa de novo pelo textão hahaha Adoro sua newsletter e se quiser falar um pouco mais sobre como isso é pra vc e o joca, seria mto legal :)
concordo com vc. uma sociedade mais acolhedora com as crianças - e as famílias em geral - ajudaria a diminuir uma parte importante da carga pesada da criação de filhos.
mas não toda carga. os cuidados com um bebê - principalmente no primeiro ano - recaem essencialmente em cima dos pais (presentes e atuantes). é uma mistura de trabalho braçal e mental. e aí quase todas as atividades que a conectávamos a um sentimento de alegria e felicidade - tipo: sair com os amigos, viajar, marcar um cinema espontaneamente, maratonar uma série bacana, ler por horas - ficam em último plano. e sem tudo isso, com essa mudança completa da rotina, rola uma crise de identidade. o que eu sou sem tudo isso? onde estão os momentos que eu me conecto comigo? do que eu gostava mesmo de fazer? é muito louco.
é claro que no lugar daquela vida antiga se estabelece uma vida nova, em volta de uma pessoa nova. mas esse serzinho no começo te dá pouco retorno. vc não sabe se tá fazendo a coisa certa. mas ainda assim, no meio de todo esse perrengue, rola um sentimento gostoso. é o tal: tá ruim, mas tá bom. coisa difícil de explicar. e acho que é esse sentimento que a reportagem consegue trazer de alguma forma. esse deslocamento no que é a tal felicidade. de repente, a felicidade não é só curtição e fazer o que se tem vontade. é também dedicar seu tempo, seu corpo, sua mente a uma outra pessoa. é torcer integralmente pelo bem dela e zelar pelo seu crescimento. ainda que vc esteja extremamente esgotada. definitivamente não é só tortura e insatisfação. tem algo ali, uma recompensa enorme e difícil de descrever.
e para se encontrar de novo, ao longo do crescimento da criança é preciso realmente de uma rede de apoio. de tempo para voltar a pensar em si, de traçar novos planos. o bebê deixa de ser tão dependente da gente e aí abre-se um novo buraco. o que eu faço com toda aquela dedicação exclusiva agora que ela não é tão necessária? uma reavaliação constante, sabe? e vou te dizer... tem sido muito BOM pra mim. a falta de tempo que a maternidade trouxe me fez olhar para os meus desejos com mais objetividade e também ter mais garra para ir atrás deles.
Oi Babi, obrigada por compartilhar sua experiência! Acho que me fez compreender melhor a questão. Eu adorei a ideia de "esse deslocamento no que é a tal felicidade". Muito interessante. Eu acho que cresci com um grau muito grande de insatisfação que foi se diluindo ao longo dos anos e sempre me questiono sobre felicidade. Muito legais as perguntas "o que eu sou sem tudo isso? onde estão os momentos que eu me conecto comigo? do que eu gostava mesmo de fazer?" e também a transição quando a criança ganha certa autonomia. Muita coisa legal pra pensar, brigada babi <3
Oi, Babi! Ia responder seu e-mail, mas achei que cabia comentar aqui. Tô com você, amo as narrativas cotidianas e fiquei doida pra ler o Zambra, que não conheço. Mas queria comentar um link que você colocou sobre a vida ser mais feliz com ou sem filhos e, partindo de um ponto de vista dos espaços do patriarcado e dos núcleos familiares individuais e isolados, como arquiteta, cada vez eu acho mais cruel a ideia de que a vida com filhos é pesada em si. Como uma pessoa que não tem filhos, mas quer ter, eu penso que o que eu quero é construir um cotidiano, um dia-a-dia gostoso que envolva criar outras pessoas. Não imagino que ninguém que queria filhos se inscreva para uma vida em que "não há ninguém pra ajudar, não há ninguém pra cuidar da casa, o pai tão consta, as frustações e a falta de sono são o tom da vida pros próximos 10 anos". Penso que, nesse cenário, algo deu muito errado, sabe?! Entendo que é a vida de muitas mulheres, ainda mais nos grupos vulneráveis, mas fico achando que maternidade e paternidade não são sobre isso. Que ninguém entraria na fila pra uma vida de tortura e insatisfação. Mas hoje em dia parece que, se você tem uma rede de apoio com familiares e amigues, que tem ajuda paga e uma estrutura confortável pra criar os filhos, você é a exceção da exceção da exceção. Penso que frustação, cansado, sobrecarga e angústias fazem parte da vida, com filhos ou não (outra coisa pq parecem às vezes descrever a vida de solteiros como verdadeiros paraísos). Enfim, me alonguei mas meu objetivo era só mesmo dizer que o capitalismo e o patriarcado criaram uma forma de vida que aniquila a felicidade não pq crianças precisam de atenção, mas pq sofrimento rende renda para terceiros. Beijos e desculpa de novo pelo textão hahaha Adoro sua newsletter e se quiser falar um pouco mais sobre como isso é pra vc e o joca, seria mto legal :)
oi, luiza! adoro as reflexões que você traz <3
concordo com vc. uma sociedade mais acolhedora com as crianças - e as famílias em geral - ajudaria a diminuir uma parte importante da carga pesada da criação de filhos.
mas não toda carga. os cuidados com um bebê - principalmente no primeiro ano - recaem essencialmente em cima dos pais (presentes e atuantes). é uma mistura de trabalho braçal e mental. e aí quase todas as atividades que a conectávamos a um sentimento de alegria e felicidade - tipo: sair com os amigos, viajar, marcar um cinema espontaneamente, maratonar uma série bacana, ler por horas - ficam em último plano. e sem tudo isso, com essa mudança completa da rotina, rola uma crise de identidade. o que eu sou sem tudo isso? onde estão os momentos que eu me conecto comigo? do que eu gostava mesmo de fazer? é muito louco.
é claro que no lugar daquela vida antiga se estabelece uma vida nova, em volta de uma pessoa nova. mas esse serzinho no começo te dá pouco retorno. vc não sabe se tá fazendo a coisa certa. mas ainda assim, no meio de todo esse perrengue, rola um sentimento gostoso. é o tal: tá ruim, mas tá bom. coisa difícil de explicar. e acho que é esse sentimento que a reportagem consegue trazer de alguma forma. esse deslocamento no que é a tal felicidade. de repente, a felicidade não é só curtição e fazer o que se tem vontade. é também dedicar seu tempo, seu corpo, sua mente a uma outra pessoa. é torcer integralmente pelo bem dela e zelar pelo seu crescimento. ainda que vc esteja extremamente esgotada. definitivamente não é só tortura e insatisfação. tem algo ali, uma recompensa enorme e difícil de descrever.
e para se encontrar de novo, ao longo do crescimento da criança é preciso realmente de uma rede de apoio. de tempo para voltar a pensar em si, de traçar novos planos. o bebê deixa de ser tão dependente da gente e aí abre-se um novo buraco. o que eu faço com toda aquela dedicação exclusiva agora que ela não é tão necessária? uma reavaliação constante, sabe? e vou te dizer... tem sido muito BOM pra mim. a falta de tempo que a maternidade trouxe me fez olhar para os meus desejos com mais objetividade e também ter mais garra para ir atrás deles.
Oi Babi, obrigada por compartilhar sua experiência! Acho que me fez compreender melhor a questão. Eu adorei a ideia de "esse deslocamento no que é a tal felicidade". Muito interessante. Eu acho que cresci com um grau muito grande de insatisfação que foi se diluindo ao longo dos anos e sempre me questiono sobre felicidade. Muito legais as perguntas "o que eu sou sem tudo isso? onde estão os momentos que eu me conecto comigo? do que eu gostava mesmo de fazer?" e também a transição quando a criança ganha certa autonomia. Muita coisa legal pra pensar, brigada babi <3
eu que te agradeço pelo papo <3