Ilustração de Laura Salaberry
É uma regra não dita da escrita que muito se evolui a partir da inveja. Não a inveja mesquinha, aquela que não reconhece o valor do outro, que acha que qualquer louro, qualquer publicação, qualquer frase bem colocada é na verdade sorte. Não, eu falo da inveja diante de um texto bom pra caramba, daqueles que encantam do começo ao fim, mas que deixam um retrogosto de frustração — a decepção ao perceber que aquilo não saiu da própria caneta e nem poderia. Seja porque uma ideia do tipo nunca cruzou a cabeça ou porque a técnica ainda está longe, bem longe, daquilo ali.
É, é uma experiência que humilha um tantinho, mas que serve de motor, de impulso.
Vez e sempre passo por isso. Encontro algo tão gostoso de ler que tenho vontade de engolir numa bocada só para que se torne parte de mim de algum jeito, para que meu cérebro absorva o que é que eu identifiquei de tão bacana. A cadência das frases, as imagens que evoca. A fluidez. Ah, a fluidez — o que eu mais procuro quando escrevo. Um texto que só vai e vai e vai. E cresce e cresce.
Trago exemplos recentes, a última edição da newsletter da tradutora e jornalista : A nossa Ernaux. Ela começa com um sonho, o sonho com a dona dos livros que ela traduz há anos. Nunca se viram, mas agora pelo menos compartilham esse espaço onírico, que logo se amarra à tecnologia, a um recurso do Microsoft que envia uma foto antiga, uma lembrança, que se une a outra, o seu avô. E aí tem o papa morto aos 88 anos, a ideia de que Ernaux também pode morrer em breve. Morte próxima no jornalismo é sinal de obituário em produção. Encomendam um desses a Delfini. Ela escreve, ou tenta escrever. Não vai muito além e é dispensada de um jeito impaciente e um tanto tosco. TUDO ISSO em um texto só. Uma prosa bem amarrada, despachada, vulnerável.
Há também a e sua Lábia. A proposta mais aparente da newsletter é a indicação de livros a partir de um tema que muda toda semana. Dicas excelentes, já segui uma porção delas, mas o texto de abertura é para mim a grande cereja do bolo. Conciso, sagaz, cheio de referências interessantes que estão ali com um propósito, não apenas para mostrar o quanto se sabe, o quanto se leu.
E, por fim (um fim artificial para não tornar imenso o meu inventário de invejas atuais), tem a Patricia Highsmith. Estou me encaminhando para as últimas páginas de O Talentoso Ripley (na tradução de José Francisco Botelho) e há dias tenho pesadelos com as maquinações do protagonista — um ótimo sinal de que fui arrebatada. É impressionante o controle que Highsmith tem sobre a evolução da trama. Apresenta primeiro um Ripley só um tico babaca, só um tico oportunista, mas aos poucos, bem aos poucos, ele se transforma. E o narrador o acompanha, nunca chocado, nunca moralista — apenas mais um que embarcou na vilania quase ingênua de Ripley. Olha, BOM DEMAIS, RECOMENDO.
Para não entrar em modo de inveja paralisante, sempre que saio de uma leitura que me agrada muito, pego minha lapiseira-companheira e me jogo no caderno de anotações. Tento listar tudo que chamou minha atenção, as mínimas coisas. Escrita é ofício, é prática — e muito se aprende admirando quem sabe fazer.
E o que é esta seção de dicas senão uma grande lista de invejas?!
Botox, discurso indireto livre e o fantasma de Machado em Virginia — Noemi Jaffe é das melhores que temos e eu tô babando no curso que ela vai dar na Seiva
Volver: aniversário, choro no parque e dicas cringe
Sobre terminar um primeiro romance
IA não tem tesão
Tá todo mundo tentando performar
O trem-bala não é visto
O olhar da Fran Meneses é sempre de um frescor absurdo, ainda mais numa viagem ao Japão
Em maio tem encontro online, aberto a todos, com a Juliana Leite, autora do amado Humanos Exemplares
Por aqui, sigo ouvindo o novo álbum da Lucy Dacus e lendo (nas últimas páginas) A leste do Éden, A resistência e comecei Diário do fim do amor e O romance luminoso ;) Leio mil coisas ao mesmo tempo porque cada uma combina com um momento ¯\_(ツ)_/¯
Na última newsletter para os apoiadores, enviei o vídeo da DEFESA DO MESTRADO. Que alegria, gente! Agora sou MESTRE EM LETRAS <3
Teve também um relato íntimo sobre o medo de me tornar grande demais (achou que o título da newsletter era aleatório?)
O vídeo anterior, em que contei da entrega da dissertação e fiz um balanço sobre ter feito pesquisa numa área diferente da minha formação, já está liberado para todos:
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
estava lendo capitu, mas o mundo do a leste do éden me pegou e não quero mais largar.
É assim que me sinto quando leio você 🤍