Eu corri para ser adulta. Via meninas na TV fazendo tudo que eu queria fazer — viajar sozinha, morar sozinha, passear pela cidade sozinha — e o que elas tinham em comum era a idade, 18 anos pra cima (bem pra cima no caso de Sex and the City). Eu, então, mirei nessa idade, a idade da libertação.
A besteira disso, como tantas da adolescência, é que eu já era uma garota cheia de liberdades. Podia muito mais do que minhas amigas: ficar até tarde por aí, viajar para a praia sem os pais e ir e vir pelo bairro e arredores como bem entendesse. Mas, sei lá, naquele momento não parecia ser assim, não era uma experiência brilhante como nos filmes.
Saí da escola, entrei no cursinho e depois na faculdade com a sensação de agora vai. Daí veio o trabalho, o dinheiro, as contas, as responsabilidades. E uma nova versão de liberdade. Tinha um gosto bom, inebriante, mas com um fundinho amargo, com notas de cadê o meu tempo, cadê os momentos de pura espontaneidade, as horas comigo mesma, criando cenários imaginários, conversas mirabolantes, novas personalidades para eu assumir no futuro? A vida se tornou prática demais.
No livro Anne de Green Gables, de L. M. Montgomery e tradução de Márcia Soares Guimarães, há um trecho em que Marilla percebe o amadurecimento de Anne com tristeza. Não por medo de perder contato com a garota, mas por sentir falta das características mais efusivas da criança:
- Você não fica mais tagarelando como costumava fazer, Anne, nem usa mais tantas palavras complicadas. O que foi que aconteceu?
Anne enrubesceu e sorriu, enquanto largava o livro e olhava sonhadoramente pela janela, para contemplar os grandes botões vermelhos que cresciam na trepadeira, em resposta ao calor do sol da primavera.
- Não sei... não tenho mais tanta vontade de falar - ela respondeu, pensativa, pressionando o dedo indicador contra o queixo. – É melhor guardar pensamentos bonitos e queridos dentro do coração, como tesouros. Não quero que ninguém ria de meus pensamentos, ou que se admire com eles. E, não sei por que, também não desejo mais usar palavras complicadas. É uma pena, não é?... Logo agora que estou ficando suficientemente grande para usar todas que eu quiser... Em alguns aspectos, é divertido ser quase adulta, mas não é o tipo de diversão que eu esperava, Marilla. Tenho tanta coisa para pensar, aprender e fazer, que não sobra tempo para me dedicar às palavras complicadas. (2020, Montgomery, p. 262-263)
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