Ilustração de Mariana A Miserável
As últimas semanas têm sido de uma curiosidade crescente sobre a rotina daqueles que deixam de usar o Instagram e outras redes viciantes. Como se atualizam da vida dos amigos, dos eventos e shows que gostariam de ir, dos livros bacanas que serão lançados? Escrevo essas perguntas ao mesmo tempo em que dou risada. Ué, fazem como fazíamos antes dessa louca dinâmica dos feeds e de micro vídeos. Mas parece uma realidade tão distante — e tão difícil de retomar. Só que talvez seja necessário.
Estou cansada, envergonhada, ultrajada, incomodada com o tanto de tempo que gasto me distraindo nesses espaços. E é uma distração de gosto agridoce. Tem coisas legais, claro. Coisas e pessoas que eu ativamente procuro para me inspirar. Mas depois de alguns minutos… a sensação é de que sou jogada em um buraco de aleatoriedades que piscam na minha cara e das quais nada sobra quando consigo escapar da tela. Tudo bem, nenhuma novidade até aqui. Sinto que todo mundo está buscando um jeito de criar uma relação saudável com as redes. Eu penso nisso há muitos anos, mas acho que esta é a primeira vez em que estou desconfortável de verdade.
Veja bem, eu sou uma típica millennial que vê a internet como uma extensão de si. Experimentei quase todas as plataformas que surgiram para escrita e a newsletter é um dos principais e mais felizes exemplos dos benefícios do rolê digital. Eu gosto de estar online, eu gosto de saber das coisas, de participar das conversas. Eu gosto da liberdade e da possibilidade de ter um espaço meu, com as minhas regras editoriais. Eu gosto muito, muito mesmo. Mas em algum lugar do caminho… eu deixei de usar a internet apenas como uma ferramenta criativa. Ela agora CONSOME meu ser. Ela não me deixa tirar descansos, está sempre me atraindo de volta e de volta, mesmo fazendo um esforço consciente para me afastar. Sinto que estou possuída, à la filme de terror.
DRAMÁTICA, eu sei.
Mas é isso: a forma atual da internet inunda e domina meu tempo livre — tempo que eu quero e preciso ocupar com outras atividades. E não estou falando aqui de ter tempo para as obrigações da vida, não. Estou falando de reduzir o espaço que tenho para práticas que eu amo, como a leitura, os filmes, as séries. É isso que me angustia. Deixar de lado o que me faz bem, o que me mantém em um estado de deslumbramento. E tudo isso em troca de quê? De um mergulho em camadas e camadas de conteúdo que têm um saldo final estranhíssimo.
E se é assim, por que eu não saio de vez? Por medo da desconexão, por medo de estar à parte.
Ana Wallace Johnson, que faz vídeos deliciosos sobre livros e está há uns oito anos longe do Instagram, contou que perde muitas oportunidades de contato com pessoas bacanas quando, em vez de passar a ARROBA, compartilha o endereço de e-mail. A maioria nunca escreve.
Por outro lado, foi bom ouvi-la sobre como se atualiza dos acontecimentos do mundo: por outros meios. HÁ OUTROS MEIOS. Pois é, mesmo sendo jornalista precisei ser lembrada disso. Apesar de parecer, a internet não se resume a Instagram, X, TikTok. Eu, por exemplo, assino vários jornais, revistas e newsletters. Ouço programas de rádio sempre que dirijo. Estou mergulhada no noticiário, de um jeito ou de outro. Como pensar que ficaria tão de fora assim se resolvesse usar menos as redes sociais? Qual é a natureza das coisas que tenho medo de perder? Preciso mesmo saber instantaneamente sobre cada livro que sai, cada série? Meu conteúdo aqui não é conectado ao factual, ao imediato. Então qual a razão desse medo? Será que sinto que tirará de mim o selo de GAROTA HIPER ATUALIZADA? E quem liga para isso além de mim? Ninguém.
Outra angústia que me ronda: não postar com frequência vai atrair menos leitores para cá? Pode ser que sim. Mas esse número tem que crescer o tempo inteiro? Em qual proporção?
Uma pessoa de quem gosto muito muito muito é a ilustradora Fran Meneses e ela faz poucas aparições no feed/nos stories. Faz uns anos, ela decidiu concentrar o que tem a dizer em seu canal no YouTube e no grupo do Patreon, do qual faço parte. Quando ela surge no Instagram é sempre com um propósito claro, uma postagem esporádica com alto valor agregado. Aparecer pouco não me fez perder o interesse por ela, pelo contrário, me fez ir atrás dos espaços onde ela se sente confortável para estar e se expor.
Qual é, portanto, o desfecho deste desabafo?
Não sei.
Sabe quando Roland Barthes deu as aulas de A preparação do romance antes de tentar escrever o romance propriamente dito? Pois eu estou escrevendo a preparação de um recuo no uso das redes sociais.
Que cara ele terá? De novo, não sei.
O que fiz até agora:
Criei um modo no meu celular chamado OXIGÊNIO. Quando está ativado, só posso fazer ligações, checar o e-mail e o WhatsApp. Todas as notificações ficam desativadas e a tela de bloqueio fica diferente do normal, o que me lembra de não pegar o celular à toa. Vou acionar esse modo sempre que for ler, descansar ou quando me sentir pilhada demais.
Quando estou no modo “normal”, em vez de abrir o Instagram o tempo todo, tenho lembrado de usar mais os aplicativos dos jornais e das revistas que assino ou que têm acesso livre (Folha, G1, New York times, New Yorker, Substack…)
No YouTube, do qual sou grande consumidora, tenho concentrado minhas incursões apenas nos canais que realmente estou inscrita ou em buscas por temas específicos — então, evito o quanto posso aquela aba INÍCIO, que me manda um monte de vídeos similares, mas nem sempre interessantes.
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Os ateliês de escrita da Ana Rüsche estão com inscrições abertas \o/
Uma tentação: o Laboratório de Tradução Literária da Pretexto
Um prazer: ir ao cinema sozinha no meio da tarde ;) Aproveitei a volta às aulas e fui ver A verdadeira dor - GOSTEI MUITO, RECOMENDO!
Na onda das pessoas que publicam pouco, mas publicam bem, Thomas Flight está no topo da minha lista. Ele acabou de subir o vídeo com os filmes de 2024 que mais curtiu — excelente, como sempre.
Faz uns dias, saiu no canal da Antofágica a entrevista que dei para a Liv Piccolo sobre Sally Rooney e esse rolê de ser a voz de uma geração
Leituras do momento:
O inconsciente corporativo, de Vinícius Portella
Não escrever [com Roland Barthes], de Paloma Vidal
Todo mundo tem mãe, Catarina, de Carla Guerson
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Oi Bárbara. Muito bom seu texto. Há algumas coisas que tenho feito. Eu desinstalei os aplicativos de redes sociais do smartphone. Quando acesso é via navegador no computador. Antes acessava as redes em primeiro lugar pra notícias, estou mudando, acesso os jornais e colunas que assino e gosto - seu e-mail por exemplo agora. Por último as redes. É um processo com paciência, nada abrupto resolve de imediato. Um abraço e obrigado por ler minha newsletter. :)
Oxigênio é um app? Quero isso aí! Hoje li uma escritora no Substack dizendo que está se mudando pra Paris, vai vender o computador, comprou um dumb phone e vai viver sem internet. Ela irá uma vez por semana na biblioteca pra escrever a newsletter sobre o experimento e enviar. Achei interessante, em especial por ir viver em uma cidade como Paris. É radical, mas entendo esse anseio por desconexão. Estamos todas exaustas de estarmos exaustas e sabemos que boa parte dessa exaustão vem do tempo em que ficamos na tela (mesmo que seja consumindo conteúdo que não das redes).