O que muda quando conhecemos os lugares sobre os quais temos escrito? Os espaços que os personagens do romance que estamos estudando frequentam, ainda que numa realidade inventada?
Uma pergunta ainda sem resposta, mas vou ensaiá-la aqui, neste registro dos meus dias em Dublin. Quatro dias e três noites para ser exata. Dias que não estavam nos meus planos. Visitar a Irlanda antes de terminar a dissertação do mestrado não era uma possibilidade até surgir o convite para um treinamento para jornalistas em Oxford — e depois disso, o apoio do meu chefe para emendar a viagem com um pedacinho de férias. Assim, meio de supetão, me vi reservando hotel e calculando o que daria para encaixar no tempo restrito que tinha. O ponto principal para a pesquisa era a universidade que Connell e Marianne frequentam, o Trinity College. É nesse trecho da dissertação que estou no momento, no capítulo sobre a transição da cidade pequena para a capital do país. Um movimento de expectativa, mas também de dor. São marcantes as partes em que Connell se vê em Dublin destituído dos elementos e das pessoas que considerava fundamentais para a formação da própria personalidade. Ele passa a comparar as roupas que veste, o macbook que não carrega. Se sente mais feio, mais burro. Vê que há uma distância intransponível entre ele e aqueles que tinham como certa a chance de estudar na maior e melhor faculdade da Irlanda, sem qualquer necessidade de malabarismos financeiros. Enquanto isso, Marianne vai bem. Está entre os seus, entende os códigos, as exigências sociais. Aproveita o campus, vai a festas, anda por ali com os amigos.
O mesmo espaço em experiências opostas.
Foi com essas cenas na cabeça que percorri os caminhos da universidade. Prédios enormes e lindos, ruazinhas de chão de pedra, gramados de um verde tão verde que pareciam de mentira. Muita gente sempre — entre visitantes, familiares, futuros estudantes e alunos já matriculados. Presenciei o momento exato em que um grupo de formandos jogava para cima aquele chapéu engraçado. Fiz vídeo, fiz fotos. Escrevi um monte em meu caderno. Escrevi sobre a sensação de estar ali. Alegria, surpresa. Anotei também novas perguntas de pesquisa — uma infinidade delas governa o trabalho que faço. Algumas com resposta mais definida, outras nem tanto. A pergunta do início do texto com certeza pertence à segunda categoria. O que mudou depois desses dias? Como o pouco que vi e experimentei vai transbordar para as análises que ando construindo? Não sei. Talvez os apontamentos se tornem imperceptíveis, talvez não faça tanta diferença assim. Mas para mim faz, fez, está fazendo. Falar de espaço e pelo menos ter pisado nele. Falar de tempo e pelo menos ter sido atravessada por ele. Falar de um país, de uma cultura e pelo menos ter olhado para as pessoas que moram ali. Ainda que rápido, ainda que com ares de turista. Mas ali. Ali.
Os apoiadores da newsletter receberam um inventário com detalhes da viagem, incluindo a parte de Oxford. Agora estou em Londres, nos últimos dias de férias que me restam <3 Semana que vem, tem edição extra com vídeo-relato dos melhores momentos desse rolê \o/
Já está liberado para todos o vídeo em que falo sobre o que são ensaios e quais os meu favoritos:
Escrever como, paralisada de medo?
Hora do cateterismo — nas veias criativas
Um mapa até César Aira — autor que estou MUITO curiosa para começar a ler
Prefiro não saber
Pra quem você corre em tempos de intimidade artificial?
Como entreter seu irmão do outro lado do mundo — ai, como gosto dessa newsletter!
Vocês estão vendo Shogun?! Estou tão viciada na série que peguei o livro para ler também. E adorei este vídeo aqui que analisa como a adaptação destacou a importância da tradução
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
É sempre uma alegria o dia que recebo essa news! 🌷
amei o texto, a viagem. mas as indicações me pegaram em cheio, li a tarde todinha as suas indicações e as indicações das indicações, foi delicioso. há temos não fico deitada lendo eternamente enquanto o sol cai, a noite chega e a chuva vem junto de brinde. obrigada por me devolver um domingo com cheiro e jeito de domingo.