Ilustração de Oliver Jeffers
De volta ao acampamento, senti uma ânsia por atualidade. Coisas urgentes aconteciam pelo mundo, das quais eu nada sabia. Mensagens de colegas se empilhavam na minha caixa de e-mails offline. Astrobiólogos de cinco continentes se amontoavam sobre as mais recentes publicações. Placas de gelo se desprendiam da Antártica. Chefes de Estado testavam os limites da credulidade pública. Pequenas guerras explodiam por todo lado.
Deslumbramento, de Richard Powers, na tradução de Santiago Nazarian
Como jornalista que cobre o noticiário diário, fiz um trato com o diabo: tenho todas as notificações ativadas no meu celular. Folha, Estadão, O Globo, G1, UOL. Um fato relevante acontece e uma mensagem pula na tela. E como RELEVANTE é um conceito abstrato, são muitas as notificações que recebo no intervalo de algumas horas. E a elas se somam as conversas nos grupos do whastapp. Um para assuntos locais, da cidade onde moro; outro com foco nas movimentações em Brasília; e mais um para casos internacionais. Uma quantidade absurda de informações, de links, de vídeos. Bato o olho, descarto de cara ou já seleciono para uma análise mais atenta. É assim que uma jornalista se mantém em dia. Sem opção de se afastar de acontecimentos complicados ou terríveis. É duro, mas quinze anos de profissão me ajudaram a cultivar certa tolerância ao ritmo acelerado. Tanto que nem sempre noto o baque do bombardeio de notícias que meus colegas e eu precisamos digerir e relatar para os espectadores. Faz parte da rotina e parece quase determinar minha personalidade. Uma das primeiras palavras que uso para me definir é jornalista porque sinto que é uma prática que inunda meu sangue e que não tem hora para acabar. Eu acordo e durmo interessada pelo que se passa no mundo. É um fazer que soa romântico e por isso há tantos filmes e livros que tentam retratar o que envolve o jornalismo. E quase todos esbarram no preço emocional que ele cobra. Eu, por muitas vezes, pensei ser imune, mas é uma ingenuidade que já não cabe em quase quatro décadas de vida. Agora sei que preciso de descansos frequentes. De finais de semana sem olhar nenhuma manchete. E quando possível, um mês inteiro sem ver reportagem alguma. Foi o que fiz neste outubro de férias. Me abasteci de outras coisas. Dos livros que queria começar (e terminar), de filmes novos e antigos, de músicas que venho apresentando para o meu filho. Acordei sem olhar o celular, almocei sem o som de um telejornal ao fundo, dirigi sem ouvir rádio. Às mensagens dos amigos que pediam por análises, respondi que não estava acompanhando nada de perto, assim como eles costumam fazer quando a realidade se torna pesada demais.
Na quarta-feira, a menos de uma semana da volta ao trabalho, fui ao costureiro. Enquanto ele marcava a barra da minha calça, me vi atraída pela TV ligada à nossa frente. Lá estava, um telejornal com a redação ao fundo. Num dos enquadramentos da câmera, vi minha mesa. O lugar de onde escrevo, de onde vejo as imagens que chegam, de onde falo ao telefone tentando entender o que acontece. Deu saudade. Voltei no carro escutando CBN, pensando nos assuntos que devo encontrar no retorno. Em pouco tempo, a cabeça estará a mil como antes. Mas o turbilhão vai me pegar descansada e preenchida de vida — a minha vida, não só a dos outros.
Falando em jornalismo: depois de ver no cinema Assassinos da lua das flores, retomei a leitura do livro que deu origem ao filme e nossa… livro-reportagem bom demais!
Já está disponível para todos o vídeo que enviei mês passado para os apoiadores ;) Falo sobre o processo de escrita da newsletter, com direito a exemplo prático \o/
Aquela sensação de não entrar para valer nas conversas, quando estamos distantes do mundo
Uma delícia de texto sobre as intromissões tragicômicas do inglês no nosso português
O novo jeito de falar que surgiu por causa da vontade de agradar o algoritmo #medo
Expondo as notas de celular para estranhos
Em quantos metros quadrados cabe a sua vida?
Como se manter criativa — relato da
depois de ter filho <3Saúde, corpos mutantes e o ideal de beleza
ALERTA DE EVENTO BACANA E GRATUITO: neste sábado, o cineasta irlandês Lenny Abrahamson participará de uma conversa especial na Cinemateca Brasileira (Espaço Petrobras), às 16:30, sobre a adaptação para a TV dos romances Pessoas Normais e Conversas entre amigos, de Sally Rooney
Semana passada, os apoiadores receberam um vídeo sobre como planejo as apresentações da pesquisa do mestrado — e no finalzinho, tem a reencenação do que ando falando de Pessoas Normais
E semana que vem, a edição extra terá o inventário de inspirações e os meus planos para a Festa do Livro da USP \o/
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Alguns pontos, Bárbara:
- Jornalismo: extremamente necessário desopilar. Percebi isso depois de ficar 2020/2021 na reportagem em plena pandemia e me permitir um afastamento da rua de quase um ano em 2022, pra preservação da saúde mental;
- Me identifiquei muito com o seu processo de construção da news (vídeo). Por aqui é bem parecido, embora eu dificilmente enxergasse que também tenho meu próprio processo. Às vezes tudo acontece tão num "flow" que a gente mal se dá conta.
- Adorei você pontuar sobre esses sete anos de estrada, trocando palavras com a news em movimento. Bom pra que as pessoas saibam que é raro se tornar referência tão rapidamente. Tudo nessa vida é processual, com raríssimas exceções.
Parabéns por essa news tão incrível! <3
Jornalismo foi uma das primeiras coisas que pensei como opção pra faculdade, por desde pequena gostar de ler e escrever. Hoje sigo curiosa com a profissão, mas acho que não saberia fazer o que vcs fazem... Admiro. Bom retorno ao batente! Beijoca