Ilustração de Danielle Morgan
Fui ensinada desde muito cedo a chamar qualquer sentimento de expectativa pelo nome de ansiedade. Se eu ficava elétrica, falando incessantemente e pulando de alegria… era ansiedade. Se eu comentava que estava com frio na barriga… era ansiedade. Se eu traçava cenários imaginários para uma viagem que aconteceria em breve… ansiedade. Tudo era. Toda explicação para meu comportamento era a ansiedade. Eu era A ansiosa. E isso, caros amigos, não era boa coisa. Incomodava os outros. Meus pais, minhas irmãs. Era preciso, então, controlar, ou pelo menos disfarçar. E foi o que fiz. Com anos de treino, me tornei excelente na dissimulação. A ponto de receber elogios no trabalho por ser calma em momentos de estresse. No jornalismo isso é um grande feito. Os dias de loucura são muitos e o tempo de resposta é mínimo. A necessidade de performar bem sob pressão me transformou. Certos pedaços de mim foram domados. Ou pelo menos silenciados. Guardei para mim aquilo que borbulhava por dentro enquanto um mundo de informações tinha que ser noticiado. Porque, de novo, a ansiedade não era boa coisa. E realmente, algumas facetas dela eram cruéis comigo. Havia dias em que meu corpo se rebelava. Eu tinha ânsias de vômito, fazia barulhos dignos de bicho, mas nada saía de mim. Desenvolvia pequenas obsessões. Montava listas inúteis na cabeça, não podia esquecer de nada. Não podia falhar em nada. E vivia tudo isso sozinha. Era preciso controlar, disfarçar. E foi assim por muitos anos.
Algumas sensações sumiram de tanto que me acostumei com elas. Outras reaparecem de tempos em tempos, a depender do desafio da vez. E a vida acadêmica é um ponto enorme nesse gráfico. Um ambiente novo, que eu não domino, mas que eu quero demais entender, fazer parte. Eu não queria ver esse espaço manchado por angústias desmedidas e, por isso, comecei a análise. Enfrentei as muitas versões que me compõem, principalmente aquelas que confundem qualquer desejo e expectativa com ansiedade. Nem todo sentimento de empolgação, ainda que extremo, vai obrigatoriamente descambar para um estresse do meu corpo e da minha mente. Não é mais preciso controlar ou disfarçar. Eu preciso é separar. E me permitir.
Esta semana, me vi em Ouro Preto para apresentar a pesquisa do mestrado no Simpósio de Estudos Irlandeses. Cheguei à cidade depois de 9 horas de estrada, já que uma crise terrível de labirintite me impediu de pegar o voo para Belo Horizonte. Entrei no auditório suada, sem almoço e tremendo de nervoso. Eu tinha 15 minutos para resumir o que venho fazendo em quase dois anos. E ainda por cima em inglês. A opção era paralisar e me encolher de ansiedade. A outra, a que eu escolhi, era fervilhar de empolgação e um tanto de insegurança. O medo é natural diante do que eu quero muito. A eletricidade, os pulos, o frio na barriga às vezes são boas coisas.
E aqui o desfecho que eu ansiava: deu tudo certo.
Escrevi esta edição inspirada por um dos ensinamentos que o Tiago, do
compartilhou ontem:Eu aprendi que, em muitas situações, faz mais sentido dizer que estou empolgado ou animado, em vez de “ansioso”.
Na semana que vem, na próxima newsletter para os apoiadores, enviarei um vídeo com o registro do que foi essa viagem para Ouro Preto e com uma reencenação da apresentação da pesquisa \o/
Que bacana essa série 13 ways of looking, na qual escritores são convidados para compartilhar imagens que moldaram o livro que estão lançando
Um freio profissional chamado maternidade
O novo álbum do Sufjan Stevens
leu o livro do ganhador do Nobel e me deixou cheia de vontade de começarO que um prêmio europeu pode ensinar sobre escrita
Só olhamos para lançamentos e autores clássicos?
Os 10 romances contemporâneos preferidos do
Livros que estou de olho:
- A segunda mãe, de Karin Hueck
- A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Sarr
- O mágico, de Colm Tóibín
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Bárbara, tive essa reflexão há um tempo quando comecei a usar um "journal" que uns psicólogos americanos fizeram para você entender melhor suas crises de ansiedade. Lá, tinha uma lista de sentimentos que você usa para identificar o que você sente e usando essa ferramenta algumas vezes percebi o quanto eu uso a ansiedade como nome para tudo - mas, não são. Ampliarmos nosso vocabulário de sentimento ajuda a gente a ser mais lúcida quanto às nossas emoções e, assim, lidar melhor com cada uma delas.
Babi, li uma vez uma matéria sobre o Bruce Springsteen em que ele contava que sentia o maior medo antes de subir no palco. Ele passou a reparar nas sensações físicas e aprendeu a reinterpretá-las como sinal de que estava pronto para começar o show. Eu amei o seu texto - sofro muito de ansiedade e luto com essa reinterpretação aqui. Reconhecer os sintomas físicos ajuda - e a terapia tb!!