Foto de William Anthony/The Nation
Este é um texto sobre livros de fantasia. Já desistiu de ler ou você ainda está por aqui? É que falar desse gênero é atrair olhares tortos. O mundo muda, novos autores aparecem, mas o preconceito com histórias fantásticas segue como um dos mais fortes da literatura. Eu tento, mas não entendo o motivo. Não aceito o argumento de que é coisa para criança ou de que a escrita é pobre. São alegações de quem acompanha à distância ou não quer se dar ao trabalho de descer da torre de marfim literária onde se fechou. Como em qualquer segmento, tem obras que valem a pena e outras que não. Se você topar se colocar à prova, vim aqui indicar a saga criada por Ursula K. Le Guin no final da década de 60 e que é considerada uma das melhores de todos os tempos. A jornada começa com O feiticeiro de Terramar e nos leva para perto de Ged, um aprendiz no rolê da magia. Arrogante pra caramba, ele acha que já entende a dinâmica da vida, se arrisca em feitiços que não domina e vê tal rebeldia se voltar contra si. Até parece uma história bem conhecida, não é mesmo? Um mago jovem, talentoso, predestinado. É, Ursula inspirou muita gente. O exercício de comparação é tentador, mas há muito mais nesse livro do que isso. A começar pela raiz dessa magia: as palavras. Saber o nome verdadeiro das coisas é o que permite adquirir certas formas de poder. E eu digo “certas formas” porque o poder na realidade imaginada por Ursula é sempre delicado, frágil. Depende de uma avaliação sutil do desequilíbrio que pode gerar. Vez ou outra, a vontade de exercer poder sobre a natureza ou sobre as pessoas acaba muito mal.
PODER. É um conceito que Ursula trabalha bastante. E de um jeito diferente. Sem recorrer a artifícios bélicos, por exemplo. Ela comenta essa escolha no posfácio da edição publicada pela Morro Branco, traduzida por Heci Regina Candiani:
[…] minha mente não funciona em termos de guerra. Minha imaginação se recusa a limitar todos os elementos que compõem uma história de aventura e a tornam emocionante — perigo, risco, desafio, coragem — a campos de batalha. Um herói cujo heroísmo consiste em matar pessoas não me interessa, e detesto as orgias bélicas hormonais de nossa mídia visual, a matança mecânica de batalhões intermináveis de demônios vestidos de preto, com dentes amarelos e olhos vermelhos.
A guerra como metáfora moral é limitada, limitadora e perigosa. Ao reduzir as opções de ação a "uma guerra contra" seja o que for, você divide o mundo em Eu ou Nós (bom) e Eles ou Algo (mau), reduzindo também a complexidade ética e a riqueza moral de nossa vida a Sim/Não, liga/desliga. Isso é pueril, enganoso e degradante. Nas histórias, essa lógica escapa de qualquer solução, exceto a violência, e oferece a quem lê uma mera garantia infantil. Muitas vezes, os heróis de tais fantasias se comportam exatamente como os vilões, agindo com violência estúpida, mas o herói está do lado "certo" e, portanto, vencerá. O certo define o poder.
Ou o poder define o certo?
Se a guerra é o único jogo em andamento, sim: o poder define o que é certo. É por isso que não jogo jogos de guerra.
E é por isso que gosto tanto dela <3
Antes da palavra — a grandeza das coisas não ditas
Não tem outro jeito — as redes sociais e a sensação de construir castelos de areia
Ausência e formas diferentes de luto
Rasgos… de um fio solto que puxei
Recolhendo os cacos
Os onzes — episódio da Rádio Novelo que capta muito bem a loucura de uma redação em dias de notícias catastróficas
Como agentes da ditadura brasileira atuaram nas torturas no Estádio Nacional do Chile, logo após o golpe militar de 1973
O bolo de chocolate que rouba a cena em The Bear
Um livro que comecei e estou gostando muito: Deslumbramento, de Richard Powers, traduzido por Santiago Nazarian
Semana passada, os apoiadores receberam o inventário de inspirações. Falei de livros, filmes e podcasts que me passaram a sensação de descoberta, de encantamento com o mundo. E na próxima semana, enviarei um vídeo contando do processo de escrita da newsletter ;)
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Lendo essa edição com atraso (estava num período conturbado, mas fiz questão de salvar as minhas News favoritas, pq elas são atemporais), mas preciso comentar: sou da turma que tem preconceitos com as fantasias. Preconceito mesmo. Torço o nariz pq fui condicionado a torcer. Só que eu vou ter que admitir: esse trecho da Ursula me fisgou.
Estou aqui curiosíssimo pra conhecer esse universo que ela cria sem emular guerras. Vou procurar pra adicionar aqui na pilha!
Bárbara, vc já leu "A teoria da bolsa de ficção" dela? É um artigo curtinho, que foi transformado em livro curtinho (rsrs) pela n-1, muito interessante, recomendo tb!