Colagem de Adam Frezza e Terri Chiao
No caminho para escola, Joca me pergunta sobre o mundo. Quer saber se eu adivinho o jeito que ele encontrou de fazer massagem no planeta. Não tenho nenhum palpite, fico presa na imagem da Terra sendo amassada por mãos gigantes. A ideia dele é mais simples e está logo ali, na minha cara: são os pneus macios dos carros e das motos que fazem um carinho gostoso, uma tremidinha constante que faz com que o planeta relaxe.
Em momentos assim, me pego pensando em quais conversas, quais acontecimentos da primeira infância servirão de matéria para comportamentos futuros. Ele vai lembrar desse papo, da minha risada? Do incentivo que dou para hipóteses inusitadas? Quais ensinamentos, quais broncas, quais gestos de afeto serão elementares para a pessoa que ele vai se tornar. Como se cada ação fosse um investimento numa personalidade que eu ainda vou conhecer.
É um exercício comum, até um tanto inevitável, mas esse meu olhar, excessivamente para frente, vem me incomodando. Estes anos não são um treino, ele já é uma pessoa. Isso que presencio todos os dias já é a manifestação da personalidade dele. Ainda em formação, é claro. Assim como a minha. Eu não sou quem era antes e nem quem serei ao final da vida, mas eu sou eu a cada instante. E ele também.
É um treino de percepção que me leva a enxerga-lo como pessoa — não como projeto, não como barro sem molde. Posso (devo) tomar decisões, traçar planos, mas com espaço para ajustes — frequentes, intermináveis. Eu sou o contorno que ele precisa, a mediação inicial com mundo, mas pretendo assumir uma forma maleável. E particular, sob medida para a pessoa que ele já é e para as versões que virão.
A vida acontecendo tanto — mais um texto lindo da Fabiane Secches
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Por que a gente fala tão estranho quando está em família? — ô tema que eu adoro
Como escrever o nosso tempo?
é das escritoras que corro para lerHoje à noite tem a live final da discussão de Belo mundo, onde você está — vou participar da conversa com o pessoal da ABEI <3
Um dia de estudo e escrita — vídeo com um tantinho da minha rotina que mandei para os apoiadores da newsletter no comecinho do mês e agora está com acesso liberado. No próximo vídeo, que devo enviar na semana que vem, falarei *em detalhes* do processo seletivo do mestrado \o/
Minha leitura atual é Morte em suas mãos, de Otessa Moshfegh. É o primeiro romance que leio dessa autora e estou gostando bastante da escrita. Agradável, sabe? Você começa a ler e de repente já foi metade do livro. Tem uma parte que a protagonista brinca de criar uma história para uma mulher que foi assassinada, num exercício bem ao estilo de oficinas de escrita. E aí, por um tempo, passamos a acompanhar essa trama inventada dentro do romance, que também, é claro, uma trama inventada. Adoro esse expediente e me lembrou o maravilhoso filme A Ilha de Bergman, que está no MUBI — por este link você consegue acesso grátis por um mês.
Livros que estou de olho:
- O que é meu, José Henrique Bortoluci
- Encruzilhadas, de Jonathan Franzen
- Biography of X, de Catherine Lacey
Infantis:
- Será que a Terra sente?, de Marc Majewski
- O livro da história do livro, de Ruth Rocha e Otávio Roth
- O pato, a morte e a tulipa, de Wolf Erlbruch
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Acho que também é um exercício pra gente passar a enxergar essas observações e rompantes imaginativos dos pequenos como inspiração pra gente, né? Perdemos muito disso com a vida adulta. Esse negócio de ser produtivo, de ter propósito, de focar num plano o tempo todo nos tira a beleza desses pequenos pensamentos e percepções tão ricos, que ao olhar dos mais “focados” pode parecer perda de tempo, mas na verdade são o que fazem a nossa alma sorrir.
Jo a, nunca mais enxergarei os pneus com os mesmos olhos. ❤️
nem sei dizer o quanto esse comentário do Joca me trouxe paz, sei lá, pensamentos tranquilos e divertidos, sem pensar nas chatices adultas foi bom demais, e são tão incomuns pra quem não tem criança por perto, é, foi um afago muito bom.
e eu amo como você pensa a maternidade, é tão linda e ela por si só já é uma maneira de cuidar dele muito bonita. aliás, que texto cheio de sentimento (nem sei que palavra usar, de tão intenso), sempre que leio você fico tão reflexiva e admirada com tamanha destreza com as palavras!!
bjs Babi <3