Ilustração Tijana Lukovic
Quando falam da minha avó, falam de comida. De sopas, de bolos e da torta de escarola que ninguém soube replicar com sucesso. Até uns nove anos, tempo em que puder conviver com ela, eu era enjoada para comer e, por isso, aproveitei pouco. Mas lembro dos cheiros, da cozinha bagunçada. Do forno que também era usado como armário de panelas. E ainda que eu não comesse quase nada, minha avó arranjava um jeito. Todos os dias, ela fritava dois ovos para mim. Bem fritos mesmo. Numa panela funda, cheia de óleo, o líquido transparente ganhava uma borda dourada, crocante. Dona Maria Helena montava o prato com os ovos cercados por pedaços de pão francês, num tamanho perfeito para que eu pudesse mergulhá-los no poço de gema mole e fumegante. Ela, então, sentava ao meu lado e esperava/rezava para que eu engolisse tudo sem reclamar. Sempre calma e amorosa, contava a história do gato de botas. Repetia quantas vezes eu pedisse - e nunca esquecia de nenhum detalhe. Anos e anos disso e eu não consigo repetir nenhuma frase desse conto. As versões que encontro por aí soam tão diferentes. Como eu queria poder narrar do mesmo jeito para o Joca. Até tentei criar algo novo — um gato de botas só nosso —, mas que gosto amargo me trouxe. Eu, tão conhecida pela boa memória, não suporto esquecer das coisas, principalmente de heranças familiares. A forma que eu encontrei de honrar a memória dela foi aprender a fritar o ovo perfeito. Com bem menos óleo, é verdade, mas igualmente dourado, crocante e com a gema mole.
Daí o trecho de Lili, de Noemi Jaffe, ter me tocado tanto:
[...] me ocorre que a história das comidas de uma pessoa é a própria pessoa. Talvez poucas coisas a identifiquem melhor. Talvez nem mesmo as ideias ou as declarações de uma pessoa a componham tanto quanto as comidas que ela prepara, especialmente depois que morre, quando os pratos fazem lembrar de seu corpo, de seu cheiro, de seu olhar.
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Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Genteee o que é o Consultório da Loucura? Já não vivo sem.
Amei o texto e a seleção de links sempre muito maravilhosa - cliquei em tudo e fui feliz. Beijos!
Adorei o trecho sobre a comida, particularmente tenho muita conexão com o assunto. (seria por ser taurina? who knows haha). O fato é que a memória afetiva passa pela cozinha e pela mesa partilhada e eu amo cozinhar por isso. <3