Ilustração de Marc Martin
O que te faz escolher um livro? Um post rápido sobre ele? A nota que alguém deu? Um vídeo-resenha? Uma foto bem produzida, com xícara de chá fumegante ao lado de uma capa fotogênica? E o hábito da leitura? O que te incentiva? Ver a quantidade de livros que tal pessoa devorou nos quatro primeiros meses do ano?
O que é esse conteúdo que estamos produzindo e consumindo?
Venho pensando nisso desde que comecei a registrar as leituras e as reflexões que surgem a partir delas, mas há duas semanas o ótimo texto da Ariela apertou ainda mais o nó dentro da minha cabeça. Ela fala sobre fermentação, do tempo e do envolvimento necessários para a leitura assentar.
Eu tiro fotos, eu escrevo, eu posto. E ainda que a intenção seja compartilhar o impacto daquilo que li, sinto que tudo se dilui em algo ligeiro, efêmero. Talvez seja a característica própria das redes sociais, talvez seja a impossibilidade eterna de transmitir com exatidão o tamanho das paixões que nos movem - como é a literatura para mim. Não à toa meus escritos na newsletter são menos resenhas e mais impressões, sentimentos, esboços de conexões profundas. Algumas vezes, não consigo escrever uma linha sequer. Ou só escrevo meses depois de ler a página final. Com a tetralogia de Elena Ferrante foi assim. Mexeu tanto comigo, me fez pensar em tanta coisa. Até hoje não vi a série derivada do romance. Tenho medo de quebrar a sensação que ficou, que ainda está em digestão. Fermentação.
Outro exemplo são os livros de Sally Rooney. Escolhi fazer um mestrado sobre a autora, mas compartilho pouco porque as coisas estão fervilhando. Ideias, possibilidades. Sinto que qualquer comentário rápido será uma redução injusta dos meus planos de pesquisa.
Ao mesmo tempo, penso: se servir para incentivar o encanto de alguém pelos livros, não vale a pena um post breve?
Vale, sim. Começo tantas conversas a partir de posts-relâmpago. Gente que vem perguntar se o livro é realmente bacana, se é desafiador, se tem conexão com outro autor. Tem quem me indique leituras complementares, que se mostram importantes para a rota de mergulho que venho traçando.
O meu medo é contribuir para o consumo do livro como mais um produto descartável. Contribuir para leituras rasteiras, para dizer “eu também li, também estou por dentro do hype”. E o lobby é forte. O mercado sabe bem como trabalhar o desejo. E muitos de nós abraçamos tais táticas quase sem perceber. O irônico é que, acima do capital social, a leitura é um bem do qual só nós podemos verdadeiramente dispor, o impacto é único, pessoal. Dispara vínculos difíceis de replicar.
O conteúdo sobre livros que me interessa é justamente aquele que traz a visão íntima de quem leu. Estabelece relações com vivências, com outros textos. Que busca um apaixonamento, que coloca a literatura no lugar de transformação, de janela para o mundo e para nós mesmos.
Este é o meu horizonte, espero chegar perto dele.
Sobre escritas que conversam entre si - e das quais nada escrevi apesar de terem me marcado muito -, li O sonho do celta e O coração das trevas. Os dois livros tratam, de maneiras bem diferentes, dos horrores da colonização do Congo. E levantam a discussão sobre memória, história e ficção - temas que dominarão meu primeiro semestre no mestrado.
Neste sábado tem Bazar da Todavia e na segunda-feira começa a Feira do Livro da Unesp. É um bom momento para comprar livros direto das editoras com super descontos, mas para não perder a mão é aconselhável consultar a lista daqueles que você quer MESMO ler.
Seriam os livros só uma estética? - via New Plan Journal
Um post bem bacana sobre a tetralogia da Ferrante <3
Patti Smith responde as perguntas de leitores
Vai rolar aqui em São Paulo: um espetáculo de canções e poemas de Leonard Cohen
Tá todo mundo blefando?
A internet de hoje castra qualquer tentativa de conteúdo diversificado
Gostei muito de ouvir este episódio do Calcinha Larga com o Vinicius Calderoni
Já fui do time que queria ser blogueira literária e lia 50 livros num ano sem qualquer critério. Logo abandonei essa ideia, por não sentir que eu expunha minhas impressões de uma forma interessante e tbm por achar que minhas leituras estavam sendo determinadas pelo hype editorial mais comercial, sem nada que estivesse me trazendo novas formas de pensar, sentir, questionar, encarar a vida e o mundo, puro entretenimento. O que ok também, mas dado que o tempo de vida é limitado, tentei ser um pouco mais seletiva. Houve uma época em que eu fazia listas de toda obra indicada por alguém que eu admirava, quase como uma crença de que ao ler os mesmos livros eu pudesse vir a ser um pouco aquela pessoa, o que até que demorei pra perceber que era impossível, já que cada um vem com uma bagagem e tira uma impressão própria da leitura. Passei a ler mais o que gostaria de verdade, colhendo indicações aqui e ali, mas testando se aquela obra minimamente me interessa. Hoje em dia vejo as recomendações quase como uma curiosidade, se algum dia eu me aproximar daquela obra, lembro de ter uma referência anterior vista em algum lugar, mas não mais como uma meta de tarefas a ser cumprida. E só se a resenha ou compartilhamento de impressões é realmente inspirador pra mim, me toca de uma forma que "eu quero muito ter acesso direto a isso", vou atrás :)
Essa questão é uma constante aqui em casa. Os livros (que eu compro e recebo) circulam pela sala com muito mais velocidade do que consigo ler. As capinhas dos livros nos Stories do Instagram normalmente não são livros lidos - mas tb não trato como se fossem. Já os livros indicados na newsletter, sim, são lidos pra comentar. Acho q leio bem, tenho o hábito da leitura diária, a pilha de leituras futuras nunca pára de crescer e o momento de ler é um prazer genuíno (ver as estantes cheias também é) E, sim, uma coisa boa de postar é que sempre gera uma conversinha. Acho q as pessoas têm interesse real na leitura mas sofrem dessa falta de atenção geracional, gostariam de ler mais mas não "conseguem" por isso acabam interagindo c quem lê na expectativa de conseguir alguma dica pra ler tb. Enfim, me alonguei aqui, mas ótima edição a de hoje, obrigada :)