Ilustração: Aleea Rae
Eu aprendi inglês por conta própria. À base de muito Harry Potter, músicas do Bon Jovi e episódios de Friends. Tive poucas aulas na escola e bombei por falta no curso particular que minha mãe me obrigou a fazer. Ah, o arrependimento. Tivesse eu me dedicado mais - e aproveitado os incontáveis privilégios da adolescência - não estaria aqui insegura diante dessa língua que sei e não sei. Leio e escuto perfeitamente, mas escrever e falar... Travo o tempo todo. Eu, que adoro executar bem tudo que me proponho, não consigo afastar da mente que os interlocutores estão fixados em meus erros. E aí escolho frases básicas, quase infantis, e não comunico nem um décimo do que estou pensando. Não é só traduzir uma reflexão, cada língua funciona de um jeito diferente e permite construções muitas vezes intransponíveis.
Pensando sobre isso, lembrei de um trecho de A idiota, de Elif Batuman:
“Sabia que eu pensava diferente em turco e em inglês - não porque pensamento e linguagem fossem a mesma coisa, mas porque línguas diferentes te forçam a pensar sobre coisas diferentes. Turco, por exemplo, tem um sufixo, -miş, que você adiciona a verbos para relatar qualquer coisa que você não presenciou pessoalmente. O tempo todo você informa seu grau de subjetividade. Está sempre pensando sobre isso, toda vez que abre a boca.”
Um sufixo que evidencia a subjetividade de quem fala. Caraca, muito bacana, mas é um conceito difícil de absorver e colocar em prática. E até chegar numa zona de confiança, falar uma nova língua é andar de mãos atadas.
E aí aproveito para compartilhar outro trecho literário, desta vez de Esboço, escrito por Rachel Cusk:
“A gente quase sente vergonha do jeito como as pessoas são forçadas a usar o inglês, do quanto de si mesmas precisa ser abandonado nessa transição, como as pessoas a quem se diz para deixar suas casas e levar consigo apenas uns poucos objetos essenciais. [...] Ela, por exemplo, constatava que não conseguia fazer piadas quando estava falando outra língua; em inglês, era de modo geral uma pessoa com senso de humor, mas em espanhol, por exemplo - que em determinado momento chegou a falar muito bem -, não. Então imaginava que não fosse tanto uma questão de tradução, e sim de adaptação. A personalidade era forçada a se adaptar às suas novas circunstâncias linguísticas, a se criar outra vez; era um pensamento interessante.”
Tudo isso para dizer que não esperei o ano mudar e em dezembro mesmo fui atrás de uma professora de inglês. Estou felizona em aprender e reaprender. Dando a cara a tapa, errando um monte.
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Bárbara,
Muito legal ler sobre isso. Me mudei para Barcelona há 4 meses (sem saber espanhol) e me sinto muito estranha. Sinto que toda conversa é sempre muito superficial, não tenho habilidade e vocabulário para contar ou avançar em conversas mais profundas, contar coisas sobre mim.
Fora o jeito que a gente fala uma língua diferente, né? Até parece que mudamos o tom da nossa voz, é muito engraçado.
Um beijo!