Passei as últimas horas do domingo, antes do começo oficial das minhas férias, escrevendo mais uma versão de um dos capítulos da dissertação de mestrado. Essa parte que venho trabalhando explora as duas caras que Dublin assume no romance Pessoas Normais, de Sally Rooney. Uma delas, para Marianne, é de libertação — do irmão, da mãe e do papel de deslocada que interpretou durante a escola. Para Connell, a cidade grande aparece como um ponto de desilusão. Ele, tão empolgado num primeiro momento, se vê sozinho e excluído pelos colegas. E o motivo principal disso tudo é a classe social que ocupa.
O narrador registra que Connell “teve um sentimento de inferioridade esmagadora em relação aos outros estudantes, como se acidentalmente tivesse feito um upgrade para um nível intelectual bem acima do dele” (na tradução de Débora Landsberg). No entanto, com o passar dos dias, percebe que a postura dos colegas não é mera questão de ter ou não mais conhecimento:
[…] uma hora, ele se deu conta de que a maioria das pessoas, de fato, não estava lendo os textos. Estavam indo à faculdade todos os dias para travar debates acalorados sobre livros que não tinham lido. Ele agora entende que os colegas de classe não são como ele. É fácil para eles ter opiniões e expressá-las com segurança. Não se preocupam com a possibilidade de parecer ignorantes ou convencidos. Não são pessoas burras, mas tampouco são tão mais inteligentes que ele. Só se movem pelo mundo de um jeito diferente, e é provável que ele nunca as entenda de verdade, e sabe que eles também jamais o entenderão ou ao menos tentarão entender.Foi envolvida em reflexões como essas que iniciei a leitura de De onde eles vêm, novo romance de Jeferson Tenório, que conta a história de Joaquim, um estudante negro e pobre que entra no curso de Letras em uma universidade de Porto Alegre por meio das recém-criadas cotas raciais.
Aqui, em primeira pessoa, Joaquim diz:
Meus primeiros meses na faculdade foram de adaptação, eu sabia que precisava aprender rapidamente as dinâmicas do mundo acadêmico. E não demorei a constatar que numa universidade pública os estudantes não costumam ter dúvidas. Ninguém pergunta nada. Os alunos apenas complementam o que diz o professor. São todos muito sabidos. Também notei que todo mundo ali já entrava falando alguma língua, em especial o inglês. Eu tentei me aventurar num curso de inglês básico. Achei que fosse direcionado a alunos como eu, que saíram da escola sem nem saber conjugar o verbo to be. Mas eu estava errado. A professora entrava e saía da sala falando inglês, então passei um semestre perdido, porque, pelo que pude compreender, fazer uma pergunta era sinônimo de fraqueza, ou algum atestado de que você não deveria estar ali. Desisti do inglês. Em pouco tempo aprendi que a universidade poderia ser um lugar hostil.
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