#89 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Brooke Smart
"Há uma espécie de tristeza em não querer as coisas que dão sentido à vida de tantas pessoas. É possível que seja um tanto triste não viver uma história mais universal - o suposto ciclo da vida -, um ciclo que deve fazer vir outro ciclo de vida. Mas e quando nenhum ciclo emerge da sua vida, qual a sensação? Nenhuma. Ainda assim, persiste uma pequena sensação de decepção quando coisas incríveis acontecem na vida dos outros - e você não deseja de fato essas coisas para si."
Sheila Heti, em Maternidade
Esse trecho aí de cima fala sobre a decisão de ter ou não filhos, mas poderia ser sobre tanta coisa. Sobre as escolhas que fazemos apenas porque a maioria está fazendo, apenas porque é o caminho considerado convencional, previsível, esperado. Ter filhos é, realmente, um dos melhores exemplos desse tipo de pressão. Estamos em 2019 e o mais comum ainda é a ideia de que toda mulher deveria ser mãe. Se você não quer, há algo de errado, muitos pensam. Você não terá passado pela experiência completa da vida, muitos têm certeza.
Eu acredito que tive um filho porque EU quis. Mas será que foi só isso? O que me levou a acreditar que ser mãe era um caminho que EU queria seguir? Eu ACHO que é porque eu sempre tive vontade de fazer parte da vida de alguém desde o princípio, acompanhar as descobertas, poder ajudar nesse caminhar. Digo eu "acho" pois não posso dizer com certeza que segui esse percurso sem contar com uma visão romantizada da maternidade.
Hoje, eu gosto pra caramba de ser mãe, mas nas primeiras semanas não amei. Achei difícil, sofrido, um caminho sem volta. Entendi a dor de se perder, de viver em função do outro. Com o tempo, o perrengue mais agudo - noites sem dormir, dificuldades na amamentação, falta de liberdade - passou. Acabei descobrindo um novo jeito de ser eu mesma, um jeito melhor. Mas esse é apenas um dos muitos desfechos possíveis. Quantas mulheres odeiam ser mães? Várias. Quantas delas podem dizer isso sem ser julgadas? Nenhuma. E essa censura acontece mesmo quando todos concordam que criar uma pessoa é uma das tarefas mais difíceis da vida.
Eu tomaria a decisão de ter o Joaquim de novo, de novo e de novo. Eu indico isso para todos? JAMAIS. Eu indico apenas para quem realmente quer. Você quer mesmo? Como saber? Não tenho essa resposta, estamos contaminados demais pelas tradições.
Será que em algum tempo faremos grandes escolhas como essa sem carregar o peso das escolhas dos outros? Sem arrastar uma caçamba enorme de expectativas? Torço muito para que sim. Seguir o caminho conhecido, testado e aprovado por tantos nem sempre vai te fazer chegar no lugar que seu coração quer.
Como você deve ter notado, estou gostando bastante do livro Maternidade, da Sheila Heti. Nele, acompanhamos os pensamentos de uma mulher perto dos 40 anos que não sabe se quer ter filhos. É um trabalho sincero e de extrema vulnerabilidade.
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E termino falando sobre minha nova obsessão: Peaky Blinders. Só assisto isso, só fala disso, só pesquiso sobre isso. Peguei o bonde com atraso, mas não tô nem aí ;)
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