#85 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Lan Truong
No final de semana passado terminei de ler O olho mais azul, da Toni Morrison. O livro conta a história de uma menina negra que pede todas as noites para ter os olhos da cor do céu para finalmente ser considerada bonita, digna de atenção e de amor. Um desejo que soa infantil num primeiro momento, mas esconde a opressão dos padrões de beleza e a força do racismo.
A autora leva esse mal às últimas consequências, com violências de todos os tipos, sem que nada soe irreal ou exagerado. Afinal, a forma como nos enxergamos e como os outros nos percebem pode gerar danos irreversíveis.
Em alguma medida, acho que todos sofremos com isso, já que as formas de beleza que consideramos ideais são absurdas e ferem nossa natureza. Mas é inegável que determinadas parcelas da população sentem esse impacto mais do que outras. Podemos concordar que as mulheres são o alvo preferencial dessas cobranças, com questões diferentes a depender da sua etnia, poder econômico e religião.
Eu, por exemplo, cresci pensando que não era bonita. Não me achava terrível, mas acreditava que estava bem longe de entrar para a lista das meninas cobiçadas com quem estudei. Meu cabelo era cheio de ondas indefinidas, com redemoinhos rebeldes que eu chamava carinhosamente de chifres. Por um tempo usei óculos bem grossos (são 9 graus de miopia por aqui!) e um aparelho fixo que me impedia de sorrir sem colocar a mão na boca.
Eu me achava magra demais, com nariz e olhos grandes demais. Minhas pernas eram o principal problema. Deixei de usar saia e shorts. Para ir à escola colocava duas calças de moletom numa tentativa de fazer com que minhas coxas parecessem mais grossas. Cheguei até a nadar no mar com essas calças.
Em casa a coisa não melhorava muito. Minhas duas irmãs são lindas e todo mundo concordava com isso durante a nossa infância. Eu era a engraçadinha. Meu pai levava minha irmã mais velha para fazer ensaios de fotografia. Para mim restavam outras coisas: a leitura, os filmes, a rebeldia.
Achei que era isso: eu não era bonita e por isso precisava agir em áreas diferentes. Não era tão ruim assim, não é? Mas é ruim, sim. A gente vai formando uma visão de quem somos a partir dessas experiências. E eu estava contando uma história sobre mim mesma com base num padrão estético que em nada resumia os meus desejos, o que existia na minha alma.
É só com muita maturidade, estudo e conversa que a gente vai desaprendendo esses conceitos. E o processo é longo, e interminável. Ainda me surpreendo quando alguém me fala que sou bonita, como se fosse um prêmio, como se eu tivesse chegado lá. Onde é esse "lá"? Que cara ele tem?
O olho mais azul está esgotado aqui no Brasil. Eu li numa edição especial que a TAG mandou para os assinantes em março. No site deles tem uma entrevista bem bacana com a Djamila Ribeiro, que foi a curadora deste mês.
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O algoritmo da vida - uma forma muito bacana de usar as redes sociais para ajudar a prevenir suicídios
Não existem países perigosos, existem pessoas perigosas - a dura realidade de mulheres que viajam sozinhas :(
O fato é que, enquanto o mundo ensinar mulheres a tomarem cuidado no lugar de ensinar homens a não serem estupradores e assassinos, ser mulher no mundo sempre vai significar estar vulnerável.
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