#82 Queria ser grande, mas desisti
Eu estou cercada de mulheres incríveis e queria compartilhar com vocês um pouco sobre uma delas.
A Débora é uma das amigas mais antigas e queridas que eu tenho. E a primeira palavra que me vem à cabeça para tentar descrevê-la é peculiar. Ela anda na contramão dessa nossa vida moderna: não usa redes sociais e mal responde mensagens pelo whatsapp, ela não tem microondas, desliga o wifi de casa quando não está usando e não dorme com o celular dentro do quarto.
Para além dessas curiosidades, a Débora é praticante e estudante de yoga, reiki e outras terapias. Ela tem a voz tranquila, uma risada contagiante e é extremamente carinhosa e preocupada com os outros.
No final do ano passado, ela resolveu se dar de presente de aniversário um retiro de meditação e silêncio. Foram 10 dias sem poder conversar com ninguém. Até tocar ou olhar outra pessoa não era recomendado. Eu achei a experiência incrível e assustadora. Por isso, pedi para ela contar um pouco de como foi esse período num retiro Vipassana:
Como eu posso explicar o que é um retiro Vipassana?
Vipassana é uma técnica de meditação, uma das mais antigas que existem, criada pelo próprio Buda. E, em linhas muito gerais, consiste na observação equânime dos nossos processos mentais, emocionais e corporais. O objetivo principal é a libertação do sofrimento humano - através de uma mudança na percepção da realidade. O retiro, então, é de dez dias de silêncio e de meditação. É o tempo necessário para aprender a técnica, porque o aprendizado é bem gradual.
O que te levou a decidir fazer um retiro como esse?
Basicamente, o que me levou foi a busca por autoconhecimento, que é algo que eu venho trabalhando há muitos anos através de várias práticas. Eu queria muito experimentar uma meditação radical como o Vipassana. Radical no sentido de você passar dez dias totalmente imersa nisso, sem nenhum contato com o mundo exterior. No retiro não tem televisão, não pode levar livros, não pode fazer nenhum exercício físico. Então, você fica totalmente dedicado para aprender a técnica. E eu queria também me colocar à prova, saber como eu ia lidar com as questões difíceis que iam surgir.
Você se preparou? Como?
Eu já pratico meditação e outras formas de autoconhecimento, como a yoga. Fazia uns três anos que eu queria participar do retiro, mas eu ainda não sentia que estava pronta, não me sentia segura para me colocar numa experiência como essa, que não é fácil. Então, eu acho que a minha preparação envolveu o meu próprio amadurecimento nas meditações. A partir do momento em que eu sentia que estava praticando mais a meditação e sentindo o efeito em mim, eu fui criando confiança interna para participar do retiro.
Como era a rotina?
A rotina era bem puxada. A gente acordava com um sino às 4h30 da manhã e já começava a primeira sessão de meditação. A gente tinha várias sessões ao longo do dia, sessões de 1h/1h30, intercaladas por pequenos intervalos. A hora de dormir era por volta das 21h. Tudo em silêncio.
Qual foi a parte mais difícil do processo? O silêncio, a rotina puxada, a alimentação?
Antes de eu ir, eu achava que a parte mais difícil seria o silêncio e não foi. Na verdade, foi maravilhoso estar em silêncio, muito libertador. No penúltimo dia a gente volta a falar, para ter um processo gradual de retomar a vida em sociedade, e aí você percebe como o silêncio é essencial para a gente conseguir praticar a meditação. Porque, a partir do momento em que começamos a falar, eu senti muita dificuldade de voltar a meditar. Com a fala, a mente fica mais perdida, mais confusa.
O que foi mais difícil pra mim foi lidar com os conteúdos internos que vieram à tona. É um processo de purificação da mente e do corpo. Então, vieram emoções difíceis, traumas. E eu estava sozinha, suportando essas emoções sem poder falar com ninguém, sem poder pedir ajuda pra ninguém.
Sobre a rotina puxada, eu sempre fui muito dorminhoca, mas lá eu acordava muito bem às 4h da manhã, por incrível que pareça. Não sei, você meio que entra em outro estado.
A alimentação é vegetariana e como eu já sou há algum tempo, achei maravilhoso. Mas muitas pessoas sofreram com isso e também com a questão de comer pouco. A gente toma o café da manhã, almoça e depois só tem um lanche da tarde com frutas. Você fica quase 13 horas de jejum.
O que mudou em você depois desses dez dias?
Foi uma experiência transformadora em muitos aspectos, mas se eu tivesse que escolher um específico eu diria que o que mais mudou foi a minha forma de lidar com emoções negativas. Porque a gente tem a tendência de - quando sente raiva, tristeza, apego - se identificar demais com essas emoções, de ficar remoendo, o que só aumenta o nosso sofrimento. Lá, a partir do quarto ou quinto dia, eu tive uma experiência de descolamento desses sentimentos. Quando essas emoções surgiam, eu já não me identificava com elas. As emoções passavam por mim, eu as sentia, mas aquilo já não era mais meu, eram simplesmente uma coisa passageira e logo eu estava conectada comigo mesma de novo.
Pra quem se interessou e quer saber mais, o site oficial do retiro é esse aqui.
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