#77 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Auf Wiedersehen
Eu espero que o abuso físico e emocional contra mulheres seja algo distante para você. Que seja uma covardia que você nunca presenciou e nem nunca sofreu. No entanto, eu digo isso duvidando de que exista alguém que não saiba, pelo menos, de um caso envolvendo alguém próximo. Afinal, o número de denúncias de violência contra a mulher teve um aumento de quase 30% no ano passado.
O que eu sei é que, para mim, esse assunto é muito próximo. Há mais de dez anos tive que resgatar uma amiga das mãos do próprio namorado.
Eles estavam no apartamento dele, discutiram e as agressões começaram. Quando me ligou, ela estava trancada no banheiro e sem ter como sair. Enquanto corria para lá, eu chamei a polícia. Duas viaturas já estavam no local quando cheguei. Os policiais olhavam para cima e quando eu desci do carro entendi o motivo: os gritos dela. O andar era alto, mas nós escutávamos como se ela estivesse ao nosso lado.
Naquele meio tempo, minha amiga tinha resolvido sair do banheiro. Os gritos que ouvíamos eram uma reação a socos, mordidas e tentativas de enforcamento.
A polícia subiu, tirou os dois de lá. Passamos a noite e a madrugada na delegacia. Enquanto esperava para depor, fui xingada de vadia repetidas vezes pelo namorado dela - que aguardava algemado a poucos metros de onde estávamos. Além disso, sobrou para mim a função de contar para os pais dela o que tinha acontecido. Não me lembro de uma ligação mais sofrida.
Com tudo registrado, ele foi solto e ela foi pra casa. Eu saí de lá transtornada. Deitei na minha cama e chorei durante horas. Como aquilo poderia estar acontecendo com ela? Como não percebi nada antes - já que vim a saber que aquela não era a primeira agressão?
Passei as semanas seguintes dando todo suporte que podia. Eu e outras amigas tentamos encontrá-la sempre que possível. As coisas pareciam estar indo bem, mas algumas semanas depois ela decidiu voltar com ele. No começo, foi tudo escondido, mas logo depois ela nos informou que teríamos que lidar com a situação porque eles se gostavam muito.
Eu tentei não me afastar. Queria ser um ponto de segurança para ela, poder ajudar se algo acontecesse de novo.
Não consegui. Era demais ter que conviver com eles como se nada tivesse acontecido, como se ele não tivesse quase matado minha amiga. Nos vimos pouquíssimas vezes depois de tudo. Hoje, não temos contato algum.
Daqui de longe, só desejo que ela esteja bem e sendo tratada com carinho por quem quer que seja. Eu não a julgo por ter tomado as decisões que tomou. Agora, com mais de 30 anos, consigo entender melhor a fragilidade da mente e do coração de alguém que passa por esse tipo de violência.
Espero que ela não me julgue também. Eu tinha 20 e poucos anos e fui até onde deu, sem me machucar no processo.O único culpado nessa história sabemos bem quem é, não é mesmo?
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E um bônus: um vídeo que não é sobre o assunto desta conversa, mas ao mesmo tempo é. Não deixe de assistir essa conversa sobre o valor da vida e a importância de viver bem cada segundo. Temos pouco tempo para não sermos felizes e quem realmente somos.
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