#274 Queria ser grande, mas desisti
uma semana com ódio e uma semana querendo devorar o mundo
Ilustração de Nelleke Verhoeff
Ah, o rolê de ser mulher. Uma semana com ódio, uma semana melancólica e insegura, uma semana me achando a cereja do bolo e uma semana de energia frenética, querendo devorar o mundo e todos os conhecimentos possíveis. Quando chega esta última fase, nem eu me aguento. É tanta tanta tanta coisa que me dá vontade de fazer e saber. Por que não ler todos os livros da estante ao mesmo tempo? Por que não começar um curso novo? Por que não retomar o crochê, o bordado, a história de ficção que me olha do computador com olhos de quem pede tempo e carinho? Por que não encher o fim de semana de compromissos, cada um numa zona diferente da cidade? Por que não?
Eu preciso, sim, é cortar o café, comer menos doces, segurar na minha própria mão. Ouvir uma música gostosa, ouvir gente calma. Colocar pra tocar a conversa entre Leonardo Fróes e Sofia Nestrovski sobre Virginia Woolf; e me concentrar só nisso por uma hora. Tudo bem, dá para lavar a louça também, mas conduzida por essas vozes, esses dois tradutores, que falam da escritora-musa, mas também falam de si, de seus processos. Defendem esse desejo que me consome, o de saber tudo que der pra saber. Froés, inclusive, critica o excesso de especialização que rola no ambiente acadêmico. “Eu sempre quis que esse mal não me acontecesse”, diz. Sofia vai no mesmo tom e fala dessa construção constante, dessa curiosidade que nunca se resolve, que não acaba, mas que não precisa trazer desassossego, só deslumbramento. E prazer. De descobrir as coisas pelo olhar do outro. De não ter que criar algo do zero o tempo inteiro porque já tem lances incríveis demais por aí.
E assim sigo, torcendo para a semana acabar, mas também desejando secretamente que meu estado constante fosse esse, o de um querer frenético e avassalador. Querer é uma delícia — e é viciante.
Outra versão do cronograma mensal da mulher
Mistérios da carne — um ensaio sobre Carrie, menstruação e corporeidade
Decisões eróticas (em inglês)
Ver o mundo como um todo
A cultura da vergonha intelectual nos quer burras e dóceis
A literatura e a arte consistem em explorar a nossa imperfeição
Notas da tradutora de Ioga, de Emmanuel Carrère
A educação sentimental: se apaixonar, se desapaixonar
Uma vida de relacionamentos
Estou viva, mas não estou vivendo
Um texto sobre se ter filhos acaba com a sua vida ou não (em inglês)
Esse filme podia ter sido um quadrinho
Uma música que acalma
Lendo (tudo ao mesmo tempo agora):
Orbital, de Samantha Harvey e tradução de Adriano Scandolara — no comecinho e já gostando muito
O romance luminoso, de Mario Levrero e tradução de Antonio Xerxenesky — aproveitando devagar porque não quero me separar desse senho escritor <3
Sobre fotografia, de Susan Sontag e tradução de Rubens Figueiredo — releitura boa demais para o grupo de pesquisa ;)
Carga viva, de Ana Rüsche — nas primeiras páginas desse romance que estava muito ansiosa pra ler \o/
Semana passada, os apoiadores da newsletter receberam vídeo com o relato da minha tentativa de tomar posse dos meus dias. Tem imagens de um café gostoso com uma amiga querida, um passeio sozinha no museu e a volta da música como algo constante na minha vida ;)
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
a gente tá sempre em um 'entre', né. talvez se não tivesse a semana que é meio ruim, sem energia, xôxa... a próxima não teria tanta intensidade de querer viver. to aprendendo lentamente que é pra esse estado desejante que eu sempre quero *voltar* - relembrar o caminho!
amei muito o texto, como sempre <3
Sobre o querer frenético e avassalador, deixo aqui uma passagem que amo de Grande Sertão:
“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!."