Ilustração de Pei-H Chen
Ler, apenas ler, não me basta. Eu preciso conversar sobre o que li e conversar apaixonadamente, como alguém que desvenda uma nova fórmula matemática. Gasto horas de fala e milhares de bytes em mensagens para tentar explicar aos amigos o que é que mexeu tanto comigo em algum livro. Faço isso para assimilar, para me curar da obsessão, mas também na esperança de receber de volta um comentário que comece um debate, que faça o livro se alongar para além da última página. Esse fazer coletivo da leitura me fascina e eu me esforço para alimentá-lo. Mas ser um ponto de conversa não é mais suficiente. O ritmo insano dos dias, o volume avassalador de lançamentos e o preço dos livros têm impacto certeiro no espaço que a leitura ocupa na vida das pessoas e também no tempo que sobra para falar sobre essas histórias.
O que fazer para contornar essas questões? Minha contribuição tem sido abrir minhas estantes para aqueles que convivem comigo. De uma biblioteca particular estática, agora tenho um acervo em constante circulação.
Sei que não é uma prática que agrada a todos. Existe o apego a certos livros e o medo de perdê-los ou danificá-los. Isso pode acontecer, mas ao longo dos anos desenvolvi técnicas de estímulo e também de proteção.
Como se transformar em uma biblioteca
Enquanto não termino de catalogar meus livros em uma tabela maneira, o que faço é espalhar a palavra do empréstimo sempre que posso. Alguém me vê lendo e se interessa? Aproveito e já digo que posso emprestar assim que terminar. Com o tempo, as pessoas ganham confiança e já vêm direto com pedidos. Esta semana, por exemplo, uma amiga disse que queria ler biografias e perguntou quais opções eu tinha em casa. Selecionei O que é meu, de José Henrique Bortoluci — um sucesso da biblioteca.
É importante tirar a pressão da devolução. Por muito tempo, evitei pegar livros emprestados porque me sentia em dívida. Corria para terminar e não aproveitava muito bem. Então, no meu sistema, a devolução não tem prazo. Eu arremato a entrega do livro com o lembrete de que não tenho nenhuma pressa em receber de volta.
Para não perder o controle do quê está com quem — e não ficar procurando por livros que não estão na estante naquele momento —, eu anoto tudo na planilha: livro, pessoa, data. Isso também me permite ter o registro dos mais disputados. Annie Ernaux e Édouard Louis são os líderes do momento.
Com a devolução sem prazo em mente, eu não empresto livros que consulto com frequência. Podem ser títulos que uso para pesquisa ou mesmo aqueles romances que gosto de reler. É um volume pequeno, mas que defendo com unhas e dentes. Os amigos compreendem sempre que traço esse limite.
O saldo até agora é o melhor possível. Os livros vão e vêm com conversas renovadas. Um dos meus sonhos mais loucos é ter dinheiro para abrir uma biblioteca de bairro. Não uma livraria, veja bem, uma biblioteca. Se não for possível, quando me despedir desta vida, quero que os amigos entrem na minha casa, vasculhem as estantes e levem as obras que quiserem, assim como acontece em um dos trechos do lindo ensaio Minha mãe vive aqui, de Isabel Zapata e tradução de Gabriel Bueno da Costa <3
Diga-me com quem andas: uma grande ressalva crítica para falar de fazer crítica
Atenção ao homem cuja caligrafia balança como um junco ao vento — Anne Carson é tudo pra mim
Mentiras sinceras me interessam — uma seleção finíssima de livros que trazem mentiras como parte da trama
Sobre o tempo, correntezas e tentáculos
A escadinha que pensamos ter que subir nos relacionamentos
Uma rede de pais em quem confiar
Babando nessa viagem pela Nápoles de Elena Ferrante na companhia de Isabela Discacciati e Noemi Jaffe
Os melhores ovos de páscoa
Uma música
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Eu também sou assim!! Recentemente uma amiga estava meio deprimida, atravessando um tratamento de câncer, veio aqui e saiu com uma pilha de livros, foi a distração dela nesse momento difícil. Emprestar é bom demais (a depender do livro, se a pessoa gostar, eu nem pego de volta, porque aqui em casa nem tem espaço)
Que delícia de texto, que serviço maravilhoso que você presta à literatura. Tenho uma confissão: eu só empresto meus livros para gente de muita confiança. Sou apegada. Tem alguns que até deixo ir sem dor, mas aí distribuo mesmo em iniciativas de doação ou troca. Não tenho grande apego a coisas materiais, mas os livros...