Ouso dizer que sou ótima contadora de histórias. As minhas e a dos outros. Tiro um prazer imenso em ver um grupo de amigos ao meu redor, prestando atenção, se empolgando nos momentos certos e rindo ao final da apresentação. Porque é isso: uma performance. Calculada e exercitada ao longo de décadas. Venho de uma família grande, que fala muito, muito mesmo. Então, desenvolver a habilidade de captar atenção é essencial, quase um fator de sobrevivência. Meu marido que o diga. Coitado, demorou anos para começar a ser ouvido durante os almoços. Mas desse mal meu filho não vai passar. Parece que colecionei essas histórias a vida toda só para contar para ele. Joca ouve com olhar curioso, se apropria das que mais gosta e as narra de volta para mim, como se tivesse vivido ele mesmo cada um dos episódios. Ele me conta como eu, sem uma touca de banho, prendia os cabelos com a calcinha. Como depois de ver o filme O resgate de Jéssica fiquei com medo de ser engolida pela privada e aí ficar entalada no encanamento. Dos anos da infância em que eu só comia ovos fritos e pele de frango frita. Do meu avô que plantava verduras estranhas e amargas. Das viagens a Minas Gerais e os bichos de pé que se instalaram no meu corpo.
Vejo como minhas histórias agora fazem parte da construção de uma mitologia particular. A nossa mitologia. Um conjunto de causos que ajudam ele a entender de onde veio e como se encaixa nisso tudo.
No lindo livro Somos animais poéticos: a arte, os livros e a beleza em tempos de crise, Michèle Petit (traduzida por Raquel Camargo) fala dessas histórias transmitidas de uma geração a outra:
Pois desde a mais tenra idade, a linguagem metafórica e narrativa, essa parte essencial da transmissão cultural, parece estar intimamente ligada à possibilidade de encontrar um lugar. De sentir que estamos não apenas conectados àquelas e aqueles que estavam aqui antes de nós, mas intimamente ligados ao que está ao nosso redor, somos partes disso, estamos presentes nisso.
Esta edição faz um bom par com o número #246 sobre a narração entre amigas <3
A Isa Sinay escreveu um ensaio sobre amizade entre mulheres
Um livro que estou de olho: Olha-me e narra-me, de Adriana Cavarero e tradução de Milena Vargas
Um mergulho na obra de Alejandro Zambra
Gracias a dios nací en Latinoamérica
O direito de ler enquanto se janta sozinho
Vem aí mais um filme para os apaixonados por Jane Austen
Eu super me adaptei a audiolivros e o da vez é Orgulho e Preconceito narrado pela maravilhosa Rosamund Pike
Lembrete: dia 28 de março vou participar da versão OFFLINE e PRESENCIAL do podcast da Salvo. Você pode comprar os ingressos aqui <3
Semana passada, enviei para os apoiadores um inventário dos dias de ressaca pós-entrega da dissertação. Tem comentários sobre o livro A parede e a série The Wire
Já na semana que vem tem vídeo novo para os apoiadores, com registros da abertura da Cátedra de Estudos Irlandeses e um relato consolidado de como foi entrar e concluir um mestrado numa área diferente da minha formação <3
O vídeo do mês passado agora está liberado para todos \o/
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Ah, que edição delícia!!! Eu amo contar histórias para o Raul também. Já percebi que ele tem as preferidas dele. Até pede pra eu contar pra outras pessoas. “Mãe, conta aquele perrengue do carro que pifou” kkk.
Achei engraçado você citar que seu marido demorou pra ser ouvido na sua família - com o meu foi o mesmo! Naqueles almoços de domingo, família italiana falando aos berros, e ele tímido no cantinho…