#270 Queria ser grande, mas desisti
contar histórias e criar uma mitologia particular
Ouso dizer que sou ótima contadora de histórias. As minhas e a dos outros. Tiro um prazer imenso em ver um grupo de amigos ao meu redor, prestando atenção, se empolgando nos momentos certos e rindo ao final da apresentação. Porque é isso: uma performance. Calculada e exercitada ao longo de décadas. Venho de uma família grande, que fala muito, muito mesmo. Então, desenvolver a habilidade de captar atenção é essencial, quase um fator de sobrevivência. Meu marido que o diga. Coitado, demorou anos para começar a ser ouvido durante os almoços. Mas desse mal meu filho não vai passar. Parece que colecionei essas histórias a vida toda só para contar para ele. Joca ouve com olhar curioso, se apropria das que mais gosta e as narra de volta para mim, como se tivesse vivido ele mesmo cada um dos episódios. Ele me conta como eu, sem uma touca de banho, prendia os cabelos com a calcinha. Como depois de ver o filme O resgate de Jéssica fiquei com medo de ser engolida pela privada e aí ficar entalada no encanamento. Dos anos da infância em que eu só comia ovos fritos e pele de frango frita. Do meu avô que plantava verduras estranhas e amargas. Das viagens a Minas Gerais e os bichos de pé que se instalaram no meu corpo.
Vejo como minhas histórias agora fazem parte da construção de uma mitologia particular. A nossa mitologia. Um conjunto de causos que ajudam ele a entender de onde veio e como se encaixa nisso tudo.
No lindo livro Somos animais poéticos: a arte, os livros e a beleza em tempos de crise, Michèle Petit (traduzida por Raquel Camargo) fala dessas histórias transmitidas de uma geração a outra:
Pois desde a mais tenra idade, a linguagem metafórica e narrativa, essa parte essencial da transmissão cultural, parece estar intimamente ligada à possibilidade de encontrar um lugar. De sentir que estamos não apenas conectados àquelas e aqueles que estavam aqui antes de nós, mas intimamente ligados ao que está ao nosso redor, somos partes disso, estamos presentes nisso.
Esta edição faz um bom par com o número #246 sobre a narração entre amigas <3
A Isa Sinay escreveu um ensaio sobre amizade entre mulheres
Um livro que estou de olho: Olha-me e narra-me, de Adriana Cavarero e tradução de Milena Vargas
Um mergulho na obra de Alejandro Zambra
Gracias a dios nací en Latinoamérica
O direito de ler enquanto se janta sozinho
Vem aí mais um filme para os apaixonados por Jane Austen
Eu super me adaptei a audiolivros e o da vez é Orgulho e Preconceito narrado pela maravilhosa Rosamund Pike
Lembrete: dia 28 de março vou participar da versão OFFLINE e PRESENCIAL do podcast da Salvo. Você pode comprar os ingressos aqui <3
Semana passada, enviei para os apoiadores um inventário dos dias de ressaca pós-entrega da dissertação. Tem comentários sobre o livro A parede e a série The Wire
Já na semana que vem tem vídeo novo para os apoiadores, com registros da abertura da Cátedra de Estudos Irlandeses e um relato consolidado de como foi entrar e concluir um mestrado numa área diferente da minha formação <3
O vídeo do mês passado agora está liberado para todos \o/
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo




![Queria ser grande, mas desisti: Ensaios sobre literatura, maternidade e os efeitos de uma internet desenfreada por [Bárbara Bom Angelo] Queria ser grande, mas desisti: Ensaios sobre literatura, maternidade e os efeitos de uma internet desenfreada por [Bárbara Bom Angelo]](https://substackcdn.com/image/fetch/$s_!H60d!,w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fbucketeer-e05bbc84-baa3-437e-9518-adb32be77984.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2Fd204cbe0-ff45-49db-8634-b7f03efa3fc3_313x500.jpeg)
nós mulheres falantes que amamos ser ouvidas porque falar é parte do jeito que a gente pensa sente e se entende ❤️
Ah, que edição delícia!!! Eu amo contar histórias para o Raul também. Já percebi que ele tem as preferidas dele. Até pede pra eu contar pra outras pessoas. “Mãe, conta aquele perrengue do carro que pifou” kkk.