#269 Queria ser grande, mas desisti
um guia para te ajudar a persistir em um longo projeto de escrita
Minha cabeça anda pra lá e pra cá. Com muita coisa no trabalho e os últimos ajustes antes do envio da dissertação de mestrado. Então, a edição de hoje é um dos inventários que mandei para os apoiadores pagos da newsletters no começo de janeiro:
UM GUIA DE SOBREVIVÊNCIA PARA PROJETOS LONGOS DE ESCRITA \o/
Na reta final da dissertação, venho me dando conta dos processos e escolhas que facilitaram o trajeto até aqui e resolvi compartilhar com vocês ainda mesmo sem ter terminado, pois é no fuzuê do momento que algumas coisas se tornam realmente claras.
ESTRUTURAR, ESTRUTURAR, ESTRUTURAR. Talvez seja esse o grande lema da minha escrita jornalística e de pesquisa. Essa palavra pode ser substituída por ROTEIRIZAR, ESQUEMATIZAR ou a que mais te agradar. O objetivo aqui é ter um plano inicial de onde o rolê vai começar e terminar. E veja bem, é um PLANO INICIAL. Muita coisa vai mudar, algumas serão acrescentadas e outras serão deletadas por completo. Isso não significa que o plano não deu certo, mas, sim, que é preciso ter flexibilidade.
Diferentemente do jornalismo, onde é imperativo escolher um caminho o quanto antes e se ater a ele sob o risco de não entregar a reportagem a tempo, na pesquisa acadêmica é esperado que você se perca um pouco antes de tomar as decisões derradeiras. É para isso que servem as disciplinas de começo de ciclo, os muitos congressos e seminários, as conversas com os colegas e as orientadoras. Só que lá pela fase da banca de qualificação, que vai avaliar se você está num caminho minimamente promissor, é IMPORTANTE DEMAIS ter pelo menos esboçado uma ESTRUTURA. Então, considere o que é importante ter na introdução, pensando em uma futura leitora que não conhece nada do tema que você vai analisar, e como será a progressão dos assuntos nos capítulos seguintes. Eu gosto muito de trabalhar a partir de trios e, por isso, escolhi um dos modelos mais clássicos que é introdução + TRÊS CAPÍTULOS + considerações finais.
Não deixe essa estrutura apenas na sua cabeça, pelo amor de deus. Eu costumo anotar em formato de lista e ir desmembrando os temas o máximo que puder. Aqui um exemplo das anotações que faço:
Perceba que deixei muitos pontos de interrogação nessa lista. É uma fase de dúvidas mesmo, um momento de teste, de projeção. Gosto de chamar essa etapa de COLETA. É quando vou resgatar trechos do romance para ilustrar minhas percepções; levantar conceitos teóricos que preciso entender melhor; caçar artigos e teses que possam compor a elaboração do texto. Organize essa coleta num diário de pesquisa ou em pastas temáticas de arquivos.
Mas NÃO ESPERE ter tudo em mãos ou ter preenchido toda sua mente com ideias para começar a escrever. Eu defendo demais a prática que apelidei de PESQUISAR ENQUANTO SE ESCREVE. O que isso significa pra valer? Significa que, a partir do momento em que eu tenho uma visão mais ou menos clara do que eu quero para aquele capítulo, eu vou sentar em frente ao computador e testar. É em meio à escrita que vou saber se o plano funciona, se as reflexões realmente se encaixam. E é impressionante o tanto que a escrita demanda coisas por conta própria, coisas que eu não planejei e que depois parecem ser impossíveis de dissociar.
Agora, um ponto fundamental para a fluidez do texto: ENCONTRAR UMA VOZ . Sinto que é algo que se fala pouco quando o que está em discussão são textos acadêmicos, mas, assim como na ficção se escolhe que narrador é esse que vai contar a história, é preciso decidir o som e o gosto que terá a apresentação de uma pesquisa. Um formato muito comum na academia é o emprego da terceira pessoa ou o da primeira pessoa do plural (o nós como marcação de um esforço coletivo, junto com a orientadora, por exemplo), mas tenho visto muitos colegas escreverem na primeira pessoa do singular em um movimento para lembrar que, antes de tudo, a pesquisa é um trabalho íntimo, que parte de uma visão particular, ainda que busque participar de uma conversa maior. Há exemplos de ótimos textos em qualquer uma das opções. Eu escolhi uma voz que não sei lá muito bem definir. Talvez uma adaptação do que chamamos de discurso indireto livre na ficção? Com uma terceira pessoa entrecortada com frases que claramente fazem parte de uma primeira pessoa, ainda que não haja indicação de pronome? Não sei se isso faz algum sentido fora da minha cabeça, mas a questão aqui é: para além de tomar uma decisão, é importante perceber que voz é essa, mesmo que sem nome definido, para manter CONSISTÊNCIA ao longo do texto.
Nesta parte do guia é de se imaginar que o texto esteja sendo escrito. Agora, em que velocidade isso acontece? O ritmo é compatível com o prazo final de entrega? Isso é algo que me assombra muito. Com meu trabalho CLT e os cuidados com meu filho, eu não tive longos espaços para a escrita. Fui fazendo tudo meio picadinho e algumas vezes, dependendo do momento político brasileiro, fiquei semanas sem nem tocar na dissertação. Agora, a menos de dois meses para o prazo final, precisei reorganizar a rotina para escrever em todo momento disponível. Tem sido exaustivo, mas foi essencial OLHAR PARA O CALENDÁRIO DE FORMA REALISTA para entender o tempo que será necessário para concluir as coisas que ainda faltam.
Antes mesmo de terminar, venho percebendo que será difícil bloquear o desejo de acrescentar novas coisas ao texto. Todo dia penso em algo bacana para compor determinados trechos. Todo dia tenho vontade de incluir a comparação com um romance fantástico que acabei de ler e que casaria muito bem com um dos temas que abordo. Estou naquela fase de encarar que A PESQUISA NUNCA TERMINA, é só o prazo que acaba.
Deixo aqui dois guias sobre pesquisa que gosto muito:
As vozes que você escolhe ouvir
Por uma comunidade para chamar de minha
O que faz de uma casa um lar
Como sobreviver à Bloligarquia
A escrita e a máquina: do pecado aos esteroides
A vida é mesmo boa ou é a arte que me engana?
escreveu sobre a publicação de diários (reais ou ficcionais), com uma lista de sugestões tentadoraComeços favoritos na literatura (em inglês)
Uma análise técnica da biblioteca construída no filme O Brutalista (via
)Emoções represadas
Lançamentos que estou de olho:
As perfeições, de Vincenzo Latronico e tradução de Bruna Paroni
Caixa 19, de Claire-Louise Bennett e tradução de Ana Guadalupe
O peão, de Paco Cerdà e tradução de Marina Waquil
No comecinho desta semana, os apoiadores receberam vídeo com o registro de dias muito felizes: minha comemoração de dez anos de casada num restaurante delicioso e dias no interior de São Paulo numa casa de sonho <3
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Muito útil, adorei! Também gosto (e uso em sala) o livro da Débora Diniz. Acabei de baixar a amostra do outro. Gracias ❤️
É impressionante como temos o mesmo gosto literário, estou bem de olho nesses lançamentos aí hehehe