Cada dia mais rebelde com as regras desta lista, decidi destacar TODOS os livros que roubaram meu coração. Por acaso, a soma chegou a um número bonito: QUINZE. Mas mais bonito ainda foi o abalo no relevo que causaram em mim. Na reta final da dissertação do mestrado, pensei bastante em como escrever sobre literatura de uma forma atraente mesmo que recheada de referências teóricas. Acabei encontrando muitos caminhos nas leituras que não estavam relacionadas à pesquisa. Anne Carson, Maggie Nelson e Ligia Gonçalves Diniz serviram de guias para um texto que se propõe uma análise ampla, mas nunca desvinculado de um desejo íntimo de investigação. E essa palavra, investigação, apareceu como outro grande tema do ano. Vários títulos mencionados aqui tratam de alguma espécie de busca, de uma tentativa de sanar ausências, sumiços ou lacunas de memória — que muitas e muitas vezes acabam sem solução — e isso me fez ver o quanto gosto de lidar com essa falta de desfecho ou com o desconforto causado por certas narrativas.
A literatura é onde me permito largar as rédeas
Onde devoro textos que não são meus, que não precisam do meu controle
Que só pedem que eu os deixe passar por mim, da forma que puderem
Para no final deixar um rastro,
que não é bem palavra
ou frase
ou capítulo
ou um volume inteiro
É antes um sopro, talvez um lampejo,
mas quem sabe o melhor termo seja fagulha
e essa, sim, é muito minha.
***
— Os apoiadores da newsletter receberam na calada da noite o vídeo beeeeem longo com comentários detalhados sobre cada uma das escolhas do ano —
QUE RUFEM OS TAMBORES!!!
Os dois grandes livros do meu ano são estes aí:
Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño e tradução de Eduardo Brandão
A mais recôndita memória dos homens, de Mohamed Mbougar Saar e tradução de Diogo Cardoso
São duas histórias que eu chamo de primas. Falam muito de literatura, dos dilemas da escrita e da recepção. Os dois tratam da busca por autores que sumiram e pelos quais os protagonistas são obcecados. E ainda que um livro tenha tirado até o nome do outro (“a mais recôndita memória dos homens” é uma frase de Bolaño), são completamente diferentes. Mbougar Saar dá uma aula de como lidar com a inspiração criando algo original e imenso.
E junto com eles é preciso fazer uma menção honrosa: Janelas Irreais — um diário de releituras, de Felipe Charbel. Foi esse livro que mistura não-ficção com ficção que me despertou a vontade derradeira de enfim conhecer a obra de Bolaño <3
Logo na sequência vem este pequeno grande romance: Pequenas coisas como estas, traduzido por Adriana Lisboa. Claire Keegan talvez seja a escritora que mais me instiga no momento. É deslumbrante acompanhar a capacidade que ela tem de entregar tanto com uma escrita tão econômica. Nas histórias dela, tudo surge por um motivo bem pensado. Tudo leva a trama adiante, tudo contribui para a ambientação e composição das personagens. Uma habilidade absurda.
Três livros nacionais com escrita refinadíssima:
Humanos Exemplares, de Juliana Leite
A árvore mais sozinha do mundo, de Mariana Salomão Carrara
De onde eles vêm, de Jeferson Tenório
E essa mexicana que me deixou sufocada com o ritmo frenético em que narra a história da morte da Bruxa e desse vilarejo marcado pela violência:
Temporada de furacões, de Fernanda Melchor e tradução de Antônio Xerxenesky
Agora, duas autobiografias que mexeram demais comigo. Argonautas, de Maggie Nelson e tradução de Rogério Bettoni, me fez pensar sobre gênero e linguagem — e tudo a partir de uma costura fina entre reflexões pessoais e teoria crítica. Quando eu olho para trás, de Kanucha Barbosa, veio para mostrar como pode ser duro e belo o ato de revirar momentos que nos formaram.
O que seria de mim sem livros de ficção especulativa?! NADA ;) Piranesi, de Susanna Clarke e tradução de Heci Regina Candiani, te joga num rolê estranho: uma casa imensa, cheia de estátuas, com um protagonista que não sabe muito bem quem é. Já A polícia da memória, de Yoko Ogawa e tradução de Andrei Cunha, te coloca num mundo que bem podia ser o nosso… não fossem os desaparecimentos frequentes e aleatórios de coisas e também de conceitos.
O trio de não-ficção que me deixou encantada com o jeito orgânico e atraente de falar de temas complexos. Uma inspiração para esta mestranda em reta final da dissertação:
Eros, de Anne Carson e tradução de Julia Raiz
O homem não existe, de Ligia Gonçalves Diniz
Say Nothing, de Patrick Radden Keefe
Com cada vez mais newsletters bacanas por aí, escolher algumas para destacar foi uma tarefa complexa, mas eis aqui as que mais me marcaram:
Abstinência moderna — um ensaio da
sobre heteropessimismo, celibato e vibradores moderninhosComo mudar de vida — um guia mais decepcionante do que útil da
Self-imposed crises, or: how to write a novel (crises autoimpostas ou como escrever um romance) — de
, essa autora irlandesa que eu tanto gostoUm guia para ser um leitor BRAT — do querido
Sobre o normal, baseado em fatos fictícios — um dos ensaios hiper caprichados do
Aqueles que não saíram do tocador:
Falo tanto de cursos de literatura por aqui que achei uma boa ideia descolar um cupom de desconto para aulas que eu quero muito começar: Viagem pela literatura russa, conduzido pela professora Raquel Toledo numa parceria com a Antofágica. Os assinantes da newsletter tem 15% com o cupom QUERIASER15 \o/
E liberei para todos o vídeo em que falo sobre COMO MONTAR UMA BIBLIOGRAFIA DE PESQUISA:
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
cada vez mais tentada a ler roberto bolaño que ainda não peguei pra conhecer por causa das tretas que ele tinha com a isabel allende..... (não consegui não tomar partido)
Li recôndita no ano passado e fiquei viciada em assistir à entrevistas do autor no YouTube. Reapaixonei quando assisti à mesa da flip que também me rendeu o livro do Tenório na wishlist.
Ainda não li Bolano, mas quero muito. Influência inversa!
O que achei mais fascinante da história do livro e do autor foi ainda o fato desse livro ter sido premiado pelos franceses!
Janelas irreais e o homem não existe comprei na festa da USP por sua influência :)
E por fim: polícia da memória sofreu muito na minha avaliação pelas minhas expectativas. Acho que uma questão do marketing do livro junto com a “estranheza” da literatura oriental. Queria que tivesse sido tudo que ele poderia ser!
Ah! Gostei de intermezzo, mas sendo uma SENHORA de 38 anos tbm fiquei incomodada com isso no livro.