capa de Ana C. Bahia
Tem alguma coisa na água da Irlanda. É assim que costumo começar a resposta sobre o que me levou a pesquisar a literatura de um país com o qual não tenho nenhuma ligação direta. É que existe algo ali, algo que brota naquela terra, entra no corpo das pessoas e faz da Irlanda uma potência literária. Oscar Wilde, James Joyce, Samuel Beckett. Três nomes que me assombram. Joyce, principalmente. Depois que o conheci, a forma como eu leio mudou. Ele explodiu qualquer parâmetro com Ulysses. Me deixou de joelhos com aquela maluquice engenhosa. Fiquei fascinada e fui atrás de mais. De saber da história dele, do lugar onde nasceu e o que o motivou a sair de lá. A Irlanda é para os fortes. Na verdade, não é a água ou a terra que fazem de seus cidadãos excelentes escritores e dramaturgos. São os conflitos, os anos de instabilidade, os esforços de proteção de uma cultura, de uma língua. E uma vontade absurda de digerir as turbulências contando histórias. Os séculos de dominação britânica, os duríssimos episódios de fome, a sangrenta luta por independência, os confrontos entre as Irlandas, os tombos financeiros. Tudo isso transformado em história. Por quem viveu diretamente, mas também por quem veio muitas décadas depois. Uma passagem de bastão constante. De talento para talento. Até chegar em autoras como Claire Kilroy, Anne Enright, Sinéad Gleeson. Sally Rooney, Naoise Dolan, Caoilinn Hughes. E Claire Keegan — essa força da natureza que vem me arrebatando nos últimos anos. Conheci as novelas (ou pequenos romances) de Keegan quando entrei no mestrado. Primeiro, foi a leitura intensa de Foster. E agora, a de Pequenas coisas como estas, traduzido por Adriana Lisboa, com orelha de Maria Rita Drumond Viana e publicado este mês pela Relicário. E que livro! De uma sutileza e uma potência. A escolha refinada de contar sobre um dos piores escândalos da Igreja Católica a partir do olhar de um homem comum, que levaria a vida como sempre se não tivesse esbarrado com o horror. Por décadas, meninas e mulheres que ficaram grávidas fora do casamento foram mandadas para instituições conhecidas como lavanderias de Madalena. Lá, eram obrigadas a trabalhar sem descanso, em condições de higiene terríveis. E o pior de tudo: tinham os filhos arrancados de si. Os bebês que sobreviviam eram encaminhados ilegalmente para adoção, numa rede criminosa que chegava até os Estados Unidos. A estimativa é de que 30 mil mulheres tenham passado pelas lavanderias. E que pelo menos 9 mil crianças tenham morrido em 18 instituições investigadas. Isso aconteceu até 1996. Ou seja, até ontem. O livro é sobre isso e também sobre a população de uma cidade inteira que escolheu virar as costas e viver como se nada fosse. Menos Bill Furlong.
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Aproveito para dizer que os estudos irlandeses aqui no Brasil têm muitas e muitas linhas. Camila Franco Batista pesquisa justamente o revisionismo histórico irlandês. Jéssica Grant discute o poder da narrativa e da memória diante de traumas culturais, como os conflitos na Irlanda do Norte. Mariana Bolfarine traça um panorama da vida de Roger Casement e de como a figura dele é trabalhada em ficções que abordam traumas do país. Victor Pacheco fala de história, performatividade e narrativa. Esther Borges trata dos impactos dos padrões de uma cultura normativa e da religião na literatura contemporânea. Esses são apenas alguns dos meus queridos colegas de grupo de pesquisa <3
Na próxima segunda-feira, dia 23 de setembro, participo do lançamento online de Pequenas coisas como estas, de Claire Keegan. Estarei na companhia de Nanni Rios, Maria Rita Drumond Viana e Luci Collin ;)
Saiu o trailer da adaptação do livro para o cinema, com ninguém menos que o irlandês Cillian Murphy <3
Liberei o acesso para o diário de leitura de Intermezzo, de Sally Rooney \o/
LEMBRETE: na terça, dia 24, farei uma transmissão ao vivo para ler as primeiras páginas do romance. Aqui está o link atualizado (rezem para eu saber fazer isso direito #medo)
Para quem está na ROONEYMANIA:
A lista de livros que a inspiraram enquanto escrevia este quarto romance
Episódio de um dos meus podcasts preferidos com a resenha de três críticos da New Yorker
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Caio F., os girassóis e a escrita — que texto lindo <3
A efemeridade dos chamados conteúdos
Nem-tão-jovem mística medicada
Sobre falhar — (em inglês) da nova newsletter da Marcela Castelli
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É baixa manutenção afetiva ou é só o velho hábito de priorizar relações amorosas em detrimento das amizades?
Uma receita para testar no fim de semana
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Eu AMO Foster e acho tão melhor que esse! Talvez esse seja grande pelo que representa em sua crítica, mas como leitora comum Foster me agradou muito mais!
Babi, sua linda ♡♡♡ muito obrigada por recomendar a news instante perecível!! Te admiro tanto tanto! Ganhei meu dia 🥰