#251 Queria ser grande, mas desisti
ler trechos bonitos e ter vontade de engolir as palavras
Ilustração de Tito Merello Vilar
Num raro feriado de folga, gosto de sentar no sofá dos meus pais e ler. A casa fica no interior de São Paulo, em um condomínio que já foi uma fazenda de criação de cavalos. Ainda há uma hípica, bem ao lado da nossa cerca. Então, leio ao som dos animais correndo — como também fazem as crianças em volta de mim. Aqui sempre tem muitas. A minha e as das minhas irmãs. É capaz de você conseguir ouvir o barulho daí. Risadas, gritos e choros. Parece um ambiente inadequado à leitura atenta. Às vezes é mesmo: avanço duas frases e logo preciso ir ao resgate de um bebê que resolveu desbravar a grande escada. Não me irrito, me agrada misturar os mundos do papel com a vida de fora. E vejo nas pausas constantes uma chance de mastigar e engolir trechos que me espantaram. Seja pela mudança na direção da história, seja pela escrita tão bem trabalhada. Tenho predileção por estruturas aparentemente simples, com as mesmas palavras de sempre, mas combinadas de um jeito único para revelar verdades imensas. Quando encontro tesouros assim, preciso me afastar da página. Encosto o livro nos joelhos, olho para cima. Como que para não deixar escapar a sensação que me trouxe. Aconteceu com o pedacinho abaixo:
Com os alunos de barriga cheia e livres para pensar em coisas distantes do estômago, a professora finalmente adquiria o direito de pedir a cada um deles que escrevessem histórias. Deviam começar com histórias da própria família, de suas bisavós e avós de seus pais e tios, e para isso muitos deles precisavam perguntar a alguém em casa quem eram aquelas pessoas, as que tinham vindo antes de tudo. Inventariavam as gerações e acabavam chegando a si mesmos, às vezes espantados ao descobrir que afinal uma pessoa deságua na outra em um fluxo ininterrupto, e que portanto os nascimentos não inauguram nada, propriamente. mas sim confirmam a continuidade de uma antiga herança.
— Humanos Exemplares, de Juliana Leite
O livro inteiro é cheio de momentos como esse, delicados e lindos. É uma releitura que venho fazendo, então estou livre da curiosidade sobre o enredo e assim posso direcionar os olhos para a construção do texto em si. Das investigações mais gostosas que existem.
Quando menciono o livro da Juliana Leite, algumas pessoas me dizem que começaram, mas não seguiram em frente. Recomendo muito que tentem de novo. Todo início de história exige uma ambientação, um esforço do leitor para entrar de vez naquilo que as páginas propõem. Alguns nos decepcionam, mas este livro não é desses — ele só cresce, vai por mim <3
Há algumas semanas, comecei uma oficina de escrita com a Juliana chamada Escrever gestos de amor. E, nossa, como tem sido bacana. Conversamos sobre elementos da ficção a partir de outros textos, de gente grandona como Italo Calvino, Clarice Lispector, Annie Ernaux. A lista de leitura aumenta o tempo inteiro e tenho deixado a curiosidade seguir por onde ela quer. Falei bastante disso no último vídeo que mandei para os apoiadores da newsletter ;)
Gostei muito deste texto, em inglês, sobre como ter mais ideias interessantes — spoiler: não existe atalho
Quando o familiar se tornou alienígena — sobre antropoceno e ficção
Não vejo a hora de virar sucesso na escrita e aí chegar neste corte de cabelo aqui ¯\_(ツ)_/¯
O desejo pode ser emancipatório
Morreu o meu Palito e não sinto a menor gratidão.
Milão e os anos de chumbo na tetralogia de Elena Ferrante
Encontros com Edith Wharton — fiquei obcecada por A época da inocência quando li há uns anos
Doces que eu quero experimentar
Uma ideia bacana para fazer com as amigas <3
Inventário das leituras dos últimos dias (terminadas ou em andamento):
North and South, de Elizabeth Gaskell — para quem ama Orgulho e Preconceito é um prato cheio
Eros, o doce-amargo, de Anne Carson e tradução de Julia Raiz
O homem não existe: masculinidade, desejo e ficção, de Ligia Gonçalves Diniz
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Amo esse livro da Juliana, é um deleite. Ótima edição! 💕
Eu amei que meu cabelo já está próximo desse corte. Agora só falta escrever pelo menos um livro maravilhoso e ser uma escritora de sucesso. Baby steps. hahahaha