Ilustração de André François
Desde o dia um, sinto que ser mãe é brincar de Deus. Dar vida, traçar caminhos, dizer sim, dizer não. Conduzir. Moldar. Ensinar. Uma pessoa que veio de mim, mas que não é como eu. Então, como acertar? Como escolher tantas coisas que vão definir os primeiros anos da formação de sua identidade? A escola, por exemplo. Decisão que mais parece uma gincana em terras paulistanas. É preciso primeiro delimitar o orçamento. Depois, o perímetro para um deslocamento civilizado. E aí, superados esses dois entraves, vem a proposta pedagógica. O que eu quero de uma escola? Qual é a decisão certa para o meu filho? Na falta de uma resposta, escolho aquela que mais me agrada. A mim. É sobre mim? Os deuses fazem tudo ser sobre eles no fim.
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Enquanto me consumia diante da pressão para encontrar o lugar de ensino perfeito, lembrei que a escola é muito, é enorme, é QUASE tudo. E esse quase me acalmou, me mostrou que, ainda que sejamos direcionados pelo desejo de outros, há espaços para escapar, para criar uma versão nossa que não está nos planos, que foge à intromissão dos pais. E um dos lugares seminais de aprendizado na minha vida foi a casa dos vizinhos do andar de cima do prédio em que morei boa parte da infância e adolescência. Lá vivia a Helena, quatro anos mais velha do que eu. Uma amizade improvável, já que ela tinha a idade da minha irmã — mas quem ficou sua amiga mesmo fui eu — uma parceria intensa, de horas e horas de convivência diária. De viagens para a praia que duravam o mês todo. Estávamos sempre nós duas e seus pais, a quem eu chamava de tios. Eles liam muito, conversavam de coisas que eu não entendia, falavam outras línguas. Me mostraram filmes bacanas, músicas diferentes. O tio Luiz Carlos era jornalista, daqueles com fotos em preto e branco em frente a máquinas de escrever. Acompanhava tudo que era notícia e quase me matava quando eu resolvia falar durante o Jornal Nacional. Ele gostava de Fernando Pessoa e de Graciliano Ramos. Na terça-feira, fui ao evento de lançamento de Angústia pela Todavia. Ouvi o pesquisador e o editor do livro contarem como chegaram àquela versão, como chafurdaram nos manuscritos do autor. E o tempo inteiro pensei em meu tio. Em como seria conversar sobre as leituras que venho fazendo, sobre a pesquisa do mestrado, sobre o jornalismo em tempos tão desafiadores. Ele, junto com toda a família, foi minha outra escola. Nem um pouco prevista pelos meus pais, mas parte fundamental de quem sou hoje. Vejo meus vizinhos em valores e atributos que cultivei nas últimas décadas e dos quais tenho orgulho.
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No meu aniversário no ano passado, Helena me escreveu uma mensagem linda, com a seguinte frase:
“Sempre que penso em você, penso no meu pai e no quão orgulhoso ele estaria de você, e te falando, tá vendo, quando você tinha 9 anos, já falava que você ia ser jornalista!”
Eu sou, tio, porque aprendi primeiro com você.
Quando você virou adulta?
O tempo andou mexendo com a gente
A história que só você pode contar — uma delícia de podcast para você ouvir nesta sexta-feira
A playlist dos dias chuvosos aqui em São Paulo
Para quem gosta de design: um apanhadão dos cardápios de restaurantes de Nova York
Os roteiros da série Normal People estão abertos para todos lá no site da BBC <3 Tem também de muitas outras séries do canal — dica que vi na news Eat your nuts
O curso sobre Pessoas Normais começa no dia 5 de março \o/ Serão cinco aulas para discutir o tempo de formação dos protagonistas em meio a um tempo de crise. Você pode se inscrever aqui
O vídeo que os apoiadores receberam no mês passado agora está liberado para todos. Falo um tanto de como me organizo com calendário digital e agenda física, mostro os livros que pretendo ler este ano (se tudo der certo!) e também de como revezo as leituras no Kindle e no Ipad:
Por uma escrita mais elegante — com direito a comentários sobre Graciliano Ramos ;)
O dom da
de escrever sobre livros que não conheço, que não estavam minimamente no meu radar, mas depois de ler a resenha-ensaio… quero correr para ler ;)Livros que estou de olho:
- Sobre literatura e história: como a ficção constrói a experiência, de Júlio Pimentel Pinto
- Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas, de Rosa Freire d'Aguiar
- Compaixão, de Anne Sexton e com tradução de Bruna Beber
- Essa coisa viva, de Maria Esther Maciel
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
adoro do fundo do coração quando o texto da semana são sobre seu passado Babi. gosto muito de conhecer mais de você!!
Eu adorei a escrita, a dinâmica do texto, o quão verdadeira você se mostrou com os sentimentos e lembranças. Quero ler mais.