#239 Queria ser grande, mas desisti
mais do que perguntar, eu gosto do exercício de responder
Ilustração de Julie Morstad
Contrariando o que se espera de uma jornalista, mais do que perguntar, eu gosto do exercício de responder. E tenho predileção por uma editoria específica: as questões do Joaquim. Aos seis anos, ele levanta dúvidas que me dão uma suadeira. Numa caminhada pela rua, brincando de encontrar a palavra mais longa de todas, eu soltei aquela: I-N-C-O-N-S-T-I-T-U-C-I-O-N-A-L-I-S-S-I-M-A-M-E-N-T-E. Vinte e sete letras. Os olhos dele brilharam. Tá, mas isso é o quê? Peguei a saída preguiçosa, disse que era coisa de adulto, que era difícil de explicar. Tenta, mãe, eu vou entender. Como não me empenhar diante desse pedido? Comecei contando que todo país tem seu livro de regras, que em alguns casos é chamado de constituição. Quando fazemos algo que faz parte desse combinado, dizemos que esse algo foi constitucional. Já quando quebramos as regras, estamos fazendo uma coisa inconstitucional. Fim do esclarecimento. E o retorno foi o melhor possível — um sorriso orgulhoso e uma constatação: viu como eu entendi? Eu vi. Eu vejo. E me surpreendo sempre. Com a curiosidade dele e também com o meu prazer em servir como umas das primeiras intermediárias do mundo. Procuro não assumir essa posição com verdades absolutas ou endurecidas. Até porque Joaquim não deixa. Ele tem as próprias hipóteses. Lança sobre mim e espera para ver o que faço com elas. Faz uns dias, me disse que não sabe se acredita que Jesus e Moisés fizeram aquelas mágicas. A água que vira vinho. O mar vermelho que se abre. Aconteceu mesmo? Pode ser que não, pode ser que sim. Essas questões fazem parte de outro terreno. O das respostas complexas, sem final certo, que envolvem imaginação, esperança, exageros, interesses. É por que são coisas de adulto? Não, adulto não sabe de tudo. Na verdade, sabe de quase nada, mas finge muito. Mas eu não quero fingir. Não nessa relação. Me esforço para traduzir aquilo que sei, me torno mais criativa e sensível no processo. Mas do que não entendo ou duvido, abro caminho para construir junto.
Escrever com o corpo — um ensaio sobre escrever enquanto mulher
Coisas tangíveis — um lindo texto sobre a experiência de ler Virginia Woolf
Como a gente se encontra importa
Como as amizades vão reduzindo ao longo dos anos (em inglês)
Os becos que sempre nos chamam de volta
Aos vencidos pelo cansaço, uma divagação rápida
Flip: modo de usar
Livros que estou de olho:
- Constelações, de Sinéad Gleeson
- Onde vivem as monstras, de Aoko Matsuda
- A leste dos sonhos, de Nastassja Martin
- The long form, de Kate Briggs
Uma receita que eu quero testar
Semana que vem tem vídeo novo para os apoiadores \o/ Por sugestão da Júlia, da newsletter
, vou contar como faço, na prática, a análise de um ponto específico de um romance e junto com outras referências. É o que tenho feito para um artigo sobre relações entre pais e filhos na literatura contemporânea — no qual pretendo conectar conceitos do psicanalista D. W. Winnicott para explorar o ambiente familiar dos protagonistas de Pessoas Normais, de Sally Rooney.Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Por aqui passo o mesmo com o meu filho. E é maravilhoso como ele alimenta a minha curiosidade, o meu repertório e, de quebra, contribui para a minha didática/oratória. Recomendo fortemente que todos tirem um momento do seu dia ou da sua semana para conversar com uma criança e ouvi-la com presença e com alma. Você não será mais o mesmo. ❤
Ahhhh, gente! Mal posso esperar por viver tudo isso com o Pedro.
Como eles nos ensinam! Nossa!