Ilustração de Chiara Ghigliazza
Gostar de ser mulher e odiar ser mulher. Oscilo entre estes dois polos o tempo inteiro. Se olho apenas para as credencias que carrego — mãe, jornalista, pesquisadora —, sinto força. Vejo que ocupo, simultaneamente, lugares impensáveis décadas atrás. Faço o que quero, sou o que quero. Tenho minha grana e minha independência.
Até a página dois. Até que a impotência de ser mulher me encontre.
Na saída do trabalho, de madrugada, pego o caminho mais longo para voltar para casa. Iluminado e com poucos faróis. Os amigos homens que moram perto de mim escolhem o trajeto mais curto. Estão liberados para isso, talvez com apenas um vago medo de assalto. O terror que me impede é de outra ordem. A invasão do meu corpo.
Se pego um Uber, compartilhar o trajeto é o mínimo que faço — acrescento ao pacote de segurança uma ligação de mentira para meu marido. Finjo que falo com ele, passo a previsão de chegada e digo qual é o percurso. Sei que é um hábito entre muitas de nós. Algo que fazemos no automático, sem notar o absurdo que é o medo como rotina. Um pavor que insiste em não ter fim e que assume novas caras a todo instante. A da vez é ser deixada no meio da rua, abandonada ao azar de viver num mundo onde uma mulher é carregada pela cidade e depois estuprada.
O que impede que coisas assim aconteçam comigo também? Minhas credenciais, meus passos calculados, o lugar onde moro? Não há nenhuma proteção à vista. Não há. E ainda que nada de mais grave me aconteça, ser assombrada por isso uma vida inteira já é um preço alto demais.
Não foi o álcool, foi um homem
Esta semana ouvi o podcast Wiser than me e… nossa! O episódio com a Isabel Allende é tudo isso mesmo. Anotei um mundo de coisas. Que mulher incrível. Sincera, generosa e de uma força avassaladora.
Sobre aceitar e entender o que nos define — me vi tanto nesta edição da newsletter da
Uma história de amor com final feliz
abriu inscrições para o curso As engrenagens do romanceComo livros traduzidos têm, enfim, conquistado uma nova geração de leitores lá fora
Cillian Murphy e Christopher Nolan conversam numa locadora de filmes
O melhor ingrediente de The Bear é a ternura <3
O que dizer às crianças sobre o dinheiro, o consumo e o desejo?
Lendo: O poderoso chefão, de Mario Puzo, na tradução de Denise Bottmann — bom demais!
Lido: Ninguém quis ver, de Bruna Mitrano — gostei MUITO
Na última edição para os apoiadores da newsletter, enviei um vídeo com o registro de como organizo referências e a escrita do mestrado. Até mostrei minhas pastinhas ;)
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Essa insegurança nós, mulheres, infelizmente carregaremos a vida inteira. É uma realidade terrível. Confessei ao meu parceiro que morro de medo de voltar sozinha para casa depois das 22h quando ele não está em casa. Moro na Holanda, um lugar relativamente seguro para mulheres e ainda assim tenho receio por andar desacompanhada quando não há sol ou quando me encontro em locais vazios. Já cheguei a dar a volta do quarteirão só porque vi que um homem caminhava na minha direção :( O sentimento é de pura vulnerabilidade, dói demais nos ver nesta posição. No mundo ideal, acontecimentos como este serviriam para abrir os olhos dos homens e conscientizá-los de alguma forma, porém ainda temos muuuito chão pela frente. Só nos resta ter um pouco de fé de que entre nós ainda podemos nos ajudar e apoiar de alguma forma, apesar de andarmos tão desprotegidas.
Até pouco tempo atrás eu me gabava da segurança que sentia em Berlim, mas no último mês veio à tona um estupro coletivo num dos parques mais conhecidos da cidade. Detalhe: a menina estava com o namorado, que foi roubado e apanhou. Com essa história horrenda (ela foi estuprada por 8 homens) soube que foram registrados 11 estupros no último ano nesse mesmo parque. Não sei se tem acompanhado a hashtag roupa de metrô no tiktok, mas está tendo bastante adesão sobre roupas largas e compridas que faz com que nós nos sentimos menos visíveis. Por aqui tem rolado também. Enfim, ser mulher não é nada fácil e qualquer segurança que a gente sinta é falsa. E obrigada pela menção. ❤️