Uma das muitas histórias que repetimos em família é sobre a carta que meus pais escreveram para celebrar minha formatura no colégio. É preciso dizer que eles foram obrigados a isso, assim como os pais de todos os alunos, já que a entrega da mensagem fazia parte do cerimonial da festa. O esperado era que chorássemos antes de partir para a bebedeira. A estratégia deu certo — para alguns. Enquanto minhas amigas se emocionavam com as declarações de amor e orgulho, eu lia a frase “que bom que respeitamos o seu jeito, Bárbara”.
Eu senti nessas palavras um tom de escolha tomada a contragosto. Tipo: não parecia que ia dar muito certo, mas deu. Irritada, guardei o cartão no envelope, encontrei meus pais e fiz algum comentário ácido. Eles riram e disseram que a intenção era boa, não era uma crítica. Eu fingi que aceitei, mas ao longo dos anos usei o episódio como exemplo tragicômico do modo sem muitos afagos da criação que recebi. O meu jeito é assim, cheio de piadas autodepreciativas. De contar momentos constrangedores, um tanto humilhantes, ao som da risada dos outros.
Lidei com o caso dessa forma até semana passada, quando a pergunta de uma pessoa me fez reavaliar o valor da carta. A questão, super lisonjeira, era mais ou menos assim: você e sua irmã são talentosas em áreas tão diferentes, isso tem a ver com a criação que receberam? Sabe qual foi minha resposta? “Uma coisa que lembro com carinho é o quanto meus pais respeitaram o jeito e os gostos de cada filha — e somos bem diferentes uma das outras. Há um grande incentivo à autonomia na minha família, empurrões para a gente correr atrás dos nossos rolês”.
Pois é, enquanto eu estava distraída, o incômodo que me perseguiu durante anos deu lugar à compreensão.
Criar um filho é um choque de visões de mundo. E eu sempre fui muito firme em dizer o que eu queria, o que eu topava e o que não faria de jeito nenhum. Não dei espaço para palpites. Pelo contrário, se meus pais recomendavam algo, minha tendência era seguir pelo caminho oposto. Tinha prazer em mostrar que eles estavam errados, me dedicava em provar que minhas escolhas se transformariam nos melhores cenários possíveis.
Então, que eles tenham optado por segurar a mão na disciplina e permitir que eu seguisse com minhas ideias, com meu jeito, foi uma grande declaração de amor, sim. Foi um gesto de esperança de que por trás da rebeldia existiam intenções concretas. De que ainda existem.
HOJE, às 19h, tem um evento bem bacana: vou participar de um bate papo ao vivo sobre Sally Rooney e o livro Belo mundo, onde você está \o/ Será no canal da ABEI, a Associação Brasileira de Estudos Irlandeses. É aberto para todos e vou ficar feliz demais se vocês puderem acompanhar <3
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bateram forte aqui <3Quem tenta fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo é visto como disperso. Quem sente mais de um afeto é chamado de indeciso. Quem trabalha com várias coisas, diz o senso comum, não deve fazer nenhuma delas de maneira bem feita. Nós, os espalhados, somos considerados pouco confiáveis, pouco leais, pouco consistentes. Ao contrário do território firme das pessoas sólidas, nós somos um terreno capaz de mudar a qualquer momento. As personificações do imprevisível.
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Semana passada, quem apoia financeiramente a newsletter recebeu vídeo com um papo sobre COMO DEFENDER NOSSOS QUERERES NA LITERATURA. Agora, já está disponível para todos \o/ Na próxima semana, mando a segunda edição da seção que apelidei de “Posso te mandar um áudio” — uma espécie de mini podcast <3
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Lindissimo esse texto :) Nada como o tempo, as experiências e a vontade de compreender para elaborar melhor os significados do que a vida apresenta. Acho que pais são figuras que, intencionalmente ou não, têm uma super noção de futuro. Tipo mensagens nas garrafas que eles vão jogando e a gente vai encontrando e entendendo lá adiante.
Nesse texto me senti muito próxima a você, acho que me imaginei recebendo essa carta quando criança, mesmo que não tenha acontecido exatamente desse jeito comigo. Beijo