Semana passada sem esperança, esta semana com um plano.
Reli um discurso de Ursula K. Le Guin depois de vê-lo circulando no final de semana pelas mãos de Clarissa Galvão. E que abraço de texto, sério.
Em 1983, Ursula foi convidada para falar na cerimônia de formatura da Faculdade Mills, que na época era voltada apenas para mulheres. Gosto como ela começa dizendo que o discurso será na linguagem das mulheres. Sem termos bélicos, sem incentivos a uma carreira que busca o sucesso pelo sucesso.
O sucesso é o fracasso de outra pessoa. O sucesso é o sonho americano que podemos continuar sonhando porque a maioria das pessoas, na maioria dos lugares, incluindo trinta milhões de nós mesmas, vive bem desperta na terrível realidade da pobreza. Não, eu não desejo sucesso a vocês. Eu nem quero falar sobre isso. Quero falar sobre o fracasso.
O fracasso talvez seja uma das companhias mais frequentes das mulheres, já que vivemos num mundo que não foi desenhado para nós. As regras vieram de homens e nos dobramos a elas para mostrar que também somos gente de direito, que também sabemos jogar o jogo. Ainda assim, o sucesso pleno não chega, porque o caminho correto é ser homem.
O que eu espero para vocês, para todas as minhas irmãs e filhas, irmãos e filhos, é que sejam capazes de viver lá […] no lugar negado por nossa cultura racionalizante do sucesso, chamando-o de lugar de exílio, inabitável, estrangeiro. Bem, nós já somos estrangeiras. As mulheres como mulheres são em grande parte excluídas das normas masculinas autodeclaradas desta sociedade, onde os seres humanos são chamados de Homem, o único deus respeitável é masculino, a única direção é para cima. Então esse é o país deles; vamos explorar o nosso próprio.
Vamos explorar o nosso próprio mundo. Defender práticas, formas de vida e modos de sentir que foram reduzidos a algo menor. Só porque foram excluídos do que se concebe como masculino. Eles temem as profundezas que não se permitem conhecer. E elas são o nosso país, o lugar onde plantamos raízes. Indestrutíveis.
Então, o que espero para vocês é que vivam lá não como prisioneiras, envergonhadas por serem mulheres, cativas voluntárias de um sistema social psicopático, mas como nativas. Que vocês estejam em casa lá, cuidem da casa lá, sejam sua própria dona, com um quarto próprio. Que vocês façam seus trabalhos lá, seja lá o que vocês façam bem: arte ou ciência ou tecnologia, ou dirigir uma empresa ou varrer embaixo da cama, e, quando eles disserem que é um trabalho de segunda classe porque uma mulher está fazendo, espero que vocês lhes digam para irem para o inferno enquanto te pagam o mesmo salário pelo mesmo tempo de serviço. Espero que vocês vivam sem a necessidade de dominar e sem a necessidade de serem dominadas. Espero que vocês nunca sejam vítimas, mas espero que não tenham poder sobre outras pessoas. E, quando vocês falharem, e estiverem derrotadas, e com dor, e no escuro, então espero que se lembrem que a escuridão é o seu país, onde vocês moram, onde nenhuma guerra é travada e nenhuma guerra é vencida, mas onde o futuro está. Nossas raízes estão no escuro, a terra é o nosso país.
Para quem gosta de ensaios, na próxima edição da newsletter para assinantes vou falar de dois ensaios MARAVILHOSOS que li nos últimos dias - daqueles textos que te deixam com vontade de ter escrito algo igual, sabe?
A revista Serrote abriu as inscrições para o 5º concurso de ensaísmo \o/
Sobre viver, lembrar e escrever
O tempo da escrita é o tempo que leva para o cuscuz ficar pronto
A Tasca Aberta é uma das newsletters que mais gosto de acompanhar - a edição desta semana fala da difícil relação das mulheres com o ato de cozinhar
A vida é muito curta para atividades meia-boca
Ao menor sinal de dúvida, o ser humano já ergue sua atitude-tochas.
Um documentário que eu quero MUITO ver
Viciada nos jantares que esta menina faz <3
Lena Mattar voltou a escrever e o envio de hoje tem receitas com coalhada + a dica de uma série que tem feito muito sucesso lá fora ;)
E pra terminar:
Queria ser grande, mas desisti também é livro \o/
E se quiser me acompanhar em tempo nada real: @babibomangelo
Essa edição. E estar aqui. Obrigada! Teus textos são uma delícia e me inspiram demais! ♥️
E o que eu amei essa edição? Um quentinho no coração. (E obrigada pela indicação, querida ❤️)