Se você tiver espaço para mais uma série, recomendo que comece Julia. É das coisas que me fizeram bem (obrigada, Tayná!). Conta a história da cozinheira Julia Child - uma espécie de Ofélia dos americanos. Talvez você já tenha visto o filme Julie & Julia e saiba do que estou falando. Ela trouxe para os Estados Unidos técnicas francesas e o gosto por comida de verdade, em contraponto ao fast food e as gororobas enlatadas que já dominavam o país. Julia foi uma pioneira dos programas de culinária como conhecemos hoje. E é nisso que a série se concentra: em como ela convenceu os executivos de uma emissora local de que um show sobre comida daria certo. Bom demais para quem trabalha com televisão, como eu. E também para quem adora o universo editorial — em paralelo ao programa, Julia tocava o projeto de um segundo livro de receitas.
Para além desses pontos, um tema recorrente chamou minha atenção: a fragilidade masculina, principalmente no caso de Paul Child, marido da cozinheira. Os dois, como indicam os registros, mantinham uma relação amorosa e de respeito, mas a série traz outro aspecto — a necessidade de Julia incluir o parceiro em todos os projetos, numa tentativa de que ele não se sentisse menor diante do estrelato dela. As cenas têm algum humor, mas deixam, sim, um gosto amargo, familiar.
“Só penso em quantas horas a mais teríamos, se não tivéssemos que gastar tanto tempo pedindo desculpas aos homens pelo sucesso”, diz a personagem baseada em Avis DeVoto, fiel escudeira de Julia Child.
E aí lembrei de um trecho de A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Rosa Montero:
“Quantas vezes nós, mulheres, mentimos para os homens. Em quantas ocasiões fingimos saber menos do que sabemos, para que pareça que eles sabem mais. Ou dizemos que precisamos deles para algo, mesmo que não seja verdade, só para fazê-los se sentirem bem. Ou os bajulamos descaradamente para comemorar qualquer pequena conquista. E até achamos comovente constatar que, por mais exagerada que seja a lisonja, eles nunca percebem que estamos puxando seu saco, porque na verdade precisam ouvir esses elogios, como aqueles adolescentes que necessitam de um apoio extra para poder confiar em si. Sim, eles são capazes de combater na linha de frente em guerras terríveis, de arriscar a vida subindo o Everest, de cruzar selvas tempestuosas para encontrar a nascente do Nilo, mas no plano emocional, sentimental, na realidade do dia a dia, os homens nos parecem francamente #frágeis.”
Quando era mais nova, ouvi de um namorado, numa voz quase chorosa, que eu não precisava dele. Isso era um problema. Fazia com que ele se sentisse dispensável. O estopim da conversa, veja bem, foi o fato do pneu do carro ter furado a caminho da casa dele e eu, ao invés de chamá-lo, ter resolvido a questão por conta própria, pedindo para o seguro fazer a troca. Pois é, o pneu virou sinal de uma independência preocupante, ameaçadora. Seria cômico se não fosse triste.
Quando terminei a série, corri para pesquisar mais sobre Judith Jones, a editora dos livros de Julia Child — que é conhecida, principalmente, por ter salvado O diário de Anne Frank da pilha de manuscritos rejeitados. Só isso, sabe? Enfim, encontrei coisas bem bacanas sobre ela, mas adorei este texto que conta o tipo de observação que ela anotava nos escritos de Julia.
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Adorei o texto. Me fez lembrar do “The wife”, com a Glenn Close (tem o livro, ainda não li!), e do “Being the Ricardos”. Também tive um namorado frágil assim, de quem escondi uma promoção, porque ia cair como uma bomba no namoro. O problema é sistêmico, né? Muito boa a reflexão!