#171 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Rebecca Green
Há algumas semanas, recebi um comentário de uma leitora querida sobre um link que compartilhei a respeito do deslocamento da felicidade quando nos tornamos pais. A mensagem que ela mandou falava sobre espaços urbanos pouco acolhedores para criação de filhos e a falta de rede de apoio, mas também questionava um discurso que tem se tornado muito comum: o de conectar a parentalidade ao sofrimento. E apenas a isso.
A conversa me ajudou a elaborar um incômodo que venho sentido faz um tempo. Como quase tudo hoje em dia, o termo "maternidade real" foi esgarçado e em vez de se tornar uma forma de libertação para que as mulheres falassem dos perrengues sem serem consideradas desalmadas... acabou virando mais uma prisão. Se uma mãe passa bem pelo puerpério e curte os primeiros meses, temos a impressão de que está mentindo, romantizando. Será mesmo? Cadê o respeito à experiência de cada pessoa, de cada família?
Para mim, o começo foi punk. Teve o cansaço físico e teve também muita reconstrução interna. E por um tempo, eu achei que todas as mulheres enfrentavam algo parecido. Eu sentia pena quando uma amiga contava que estava grávida. Mas daí os meses passaram, os desafios mudaram e aos poucos fui ressignificando minha experiência. A maternidade é uma verdade que não consigo agarrar, desvendar. Todo dia tem uma cara diferente. É uma soma de conhecimentos, mas também um eterno desapego de certezas.
E, claro, aqui cabe a essencial relativização das condições financeiras, do acolhimento no trabalho, da participação do parceiro. Mas mesmo pessoas com estruturas sociais bem parecidas terão jornadas completamente diferentes. Vejo o exemplo da minha irmã caçula, que encarou tudo de forma mais leve - ainda que não sem desafios, já que é autônoma, ou seja: nenhum dia de licença maternidade.
Sentimentos tão desiguais são possíveis porque criar um filho é movimentar uma estrutura complexa, externa e internamente. É um caminho de sentimentos ambivalentes, de áreas cinzentas. Não é só perrengue. Não é só alegria. A recompensa de um dia em que tudo dá certo é bastante óbvia, mas também existe uma espécie de beleza e satisfação pessoal em não ir pro bar em troca de velar o sono de um filho doente; em lutar contra nossas próprias crenças e cicatrizes para poder servir de apoio para quem está descobrindo o mundo; em ter que reservar a maior parte da grana para garantir a segurança financeira dessa pessoa que ainda nem sabe o que é dinheiro e nem a importância do estudo.
Lendo o final do parágrafo acima, notei, mais uma vez, o tanto que o gestar e o criar estão profundamente ligados ao sistema econômico. Se precisássemos produzir menos, vai saber qual seria nossa relação com a parentalidade. Angústias existiram ainda, mas com certeza de outra ordem. O medo de não estar rendendo como deveria se apresenta brutalmente nos primeiros meses de uma mãe, de um pai. Aquele sensação da vida em suspenso, de se dedicar a um trabalho que não é valorizado pela sociedade, sendo que doar tempo à formação do outro deveria estar no topo da lista.
Profundamente tocada pela música que Adele escreveu pro filho - e que conta com trechos de conversas entre eles.
Doem as costas? Não consegue dormir? A culpa é do capitalismo
Amar o trabalho é uma armadilha
Nenhum truque de produtividade vai nos salvar
E do outro lado da moeda: o que o dinheiro compra
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