Ilustração: Brooke Smart
Vinha rascunhando um texto sobre maternidade. Uma grande amiga teve filho no final de semana e me peguei pensando no começo da minha experiência. Daí, naquelas conexões misteriosas com o universo, tudo que li e assisti falava de maternidade. Das várias formas de ser mãe, dos mais variados perrengues.
A série Maid, por exemplo. Um soco no estômago. A dificuldade de mostrar que abuso psicológico é, sim, violência doméstica. A infinidade de burocracias para conseguir o imprescindível auxílio do governo. E uma força absurda para seguir em frente em nome da proteção de um filho. Pensei no divórcio da minha mãe, de como ela enfrentou um longo processo - às escondidas - para conseguir sair de casa comigo e minha irmã sem que configurasse abandono de lar e fossemos obrigadas a ficar com meu pai - como ele ameaçava constantemente. Ela não teve ajuda nem mesmo da própria família, que via no divórcio um grande pecado. Soube de tudo isso - e mais um tanto que evito expor pois essa história é acima de tudo dela - quando já era adulta, a partir de uma curiosidade não sobre os fatos que levaram à separação, mas como tinha sido realmente para a minha mãe. Com duas filhas, pouco dinheiro e sem lugar certo para ficar.
A maternidade e o relacionamento que eu vivo são completamente diferentes. E hoje sei que devo muito disso à luta travada por ela para que tivéssemos outros exemplos de vida. Não significa que eu não enfrente desafios próprios, mas eles são de outra natureza, sem conexão com violência.
O que eu e muitas mulheres da minha geração e condição econômica temos em comum é a pressão para atingir um ideal. Lendo Amanhã teremos outros nomes, de Patricio Pron, encontrei um trecho que resumiu bem certas percepções minhas. É longo, mas vale a pena:
Lá fora as crianças punham à prova sua beleza e fúria em suas brincadeiras enquanto as mães competiam para saber qual delas chegara mais longe na tentativa de cumprir uma exigência de perfeição que, ao contrário do que Ela achava até aquele momento, não constituía apenas uma obrigação, mas também um mecanismo de defesa diante da impiedosa invasão dos filhos. Eles entravam de repente na vida de suas mães e bagunçavam tudo com sua exigência de proteção e abrigo, suspendiam e deixavam em segundo plano as identidades que suas mães tinham até então e as substituíam pela identificação com um personagem sobre o qual elas não sabiam quase nada; e era essa ignorância sobre o papel que tinham acabado de assumir, essa incapacidade de avaliar, já que não tinham parâmetros de comparação, se estavam cumprindo com seu papel de forma eficaz, que as levava a abraçar a ideia de uma maternidade de festas temáticas, [...] crianças que estudavam balé e construíam cidades de Lego, bolos de aniversário sem glúten, vestidos, sorrisos, velas, colégios bilíngues, fotografias com fundos de cores claras. Eram visões difíceis de realizar e que, no entanto, atormentavam as mães com sua enganosa simplicidade; [...] despojavam a maternidade de seu caráter de ato essencialmente físico para transformá-lo em uma espécie de cultura, na qual as necessidades e demandas entravam em choque com uma oferta aparentemente inesgotável para produzir a impressão de que a maternidade era um destino, um lugar aonde se chegaria algum dia se não cometessem erros.
Amanhã teremos outros nomes, Patricio Pron (Todavia - p. 119 e 120)
Essa parte me fez lembrar do conselho que recebi da minha mãe no auge do puerpério, quando me questionava como é que ~conscientemente~ eu tinha entrado nessa loucura de parir e criar um filho. Ela me lembrou que eu também tinha chegado ao mundo assim, indefesa e assustada, e que alguém havia abdicado da liberdade, das horas de sono, de um corpo sem dores para me receber aqui, para me acolher. E que agora era hora de retribuir, de abraçar essa nova pessoa e apresentar a vida para ela. Retribuição. Palavra que me acalmou porque não tinha ali nenhuma pressão por um instinto materno, um amor incondicional. Não era um conselho para que eu engolisse a angústia e passasse a me portar como uma mãe de propaganda. Era o reconhecimento de que o começo era difícil mesmo, mas que para além disso agora existia um bebê que precisava de guias.
Quão mais fácil seria se pudéssemos nos dedicar assim: apenas de olho na gente e nas necessidades fundamentais dessa pessoinha que chegou. E, claro, com uma verdadeira rede de apoio, física e emocional, e com uma estrutura governamental solidária e consciente do trabalho árduo da maternidade.
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E quero terminar indicando Duna. Sério, fui ao cinema ontem e fiquei encantada com a perfeição desse filme. Ele dá conta de mais ou menos metade do livro - por sorte, deu certinho com a parte que eu tinha lido \o/ -, mas funciona muito bem para quem não leu nada. Meu marido, por exemplo, nem sabia do que se tratava e saiu da sala impressionado. O diretor Denis Villeneuve é o responsável por vários filmes que eu amo, como A Chegada e Blade Runner 2049 <3
Essa edição mexeu muito comigo. Encarar o puerpério dessa forma ajuda muito!