#146 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Maria Ines Gul
A morte tem aparecido em muitas conversas com meu filho. Começou quando expliquei que meu pai não estava mais neste mundo. Vovô estrelinha é como o chamamos. Disse que ele se foi velhinho. Uma mentira. Meu pai morreu aos 45 anos, de repente.
Desde essa conversa, Joaquim aborda o assunto nas mais variadas ocasiões. Pergunta se o vovô tem celular, se no lugar onde ele mora tem TV ou sofá. E daí pergunta se eu já estou velha, se vou morrer também. Respondo que não, não agora, só quando for bem velhinha. Não uma mentira, mas uma omissão da regra fundamental da vida: não há como saber quando a morte vai nos encontrar.
Ainda que eu tenha escolhido uma criação com conversas racionais, sinceras, sem desvios de assuntos dolorosos, não pude fazer isso com a morte. A verdade é cruel até para adultos. As pessoas vão embora o tempo inteiro, em qualquer idade. A consciência da finitude de quem amamos é terrível. Joaquim pode passar mais um tempo sem entender.
Vejo também como as afirmações sobre a morte na velhice confortam a mim mesma. Eu quero muito acreditar nisso. Gostaria de esquecer o que venho noticiando todos os dias. 4 mil mortes. De gente velha e doente, de gente nova e até então saudável. Preciso de uma garantia de que meu filho, meu marido, minha família, todos que me cercam vão viver pelo menos até os 90 anos.
Falei desse desejo na terapia e pela primeira vez desde o começo da pandemia me permiti sofrer, me autorizei a chorar por todo esse horror que faz parte do meu trabalho diário, do qual não tenho como fugir. Como jornalista, criei mecanismos para lidar com desgraças, com a dor. É preciso continuar com a missão de informar. Mas as marcas estão aqui, viram cicatrizes. E vez ou outra transbordam. Derramam para fora da redação, entram nos meus sonhos, nas conversas de casa.
Adoraria trazer no parágrafo final a dica de como estou lidando com a angústia, mas não tenho nenhum conselho de ouro. Tem dias em que esqueço a ronda da morte. Em outros, penso nela o tempo todo. Ler ajuda. Ver séries e filmes ajuda. Brincar com meu filho ajuda.
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