#142 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Sarah Wilkins
8 meses de leitura. Foi o tempo que levei para terminar A amiga genial, de Elena Ferrante. Não a tetralogia inteira, caso você esteja em dúvida. Demorei isso tudo só no primeiro livro mesmo. E, convenhamos, não se trata de um calhamaço, tem 330 páginas. E olha que é a minha segunda incursão pela vida de Lenu e Lila.
Na primeira vez, por volta de 2015, avancei até uns 10% e abandonei. O hype em torno da autora estava começando, mas eu não fui atingida pela febre. Não consegui me conectar com a avalanche de nomes, famílias. E também não me envolvi com os dilemas infantis das duas protagonistas.
Minha irmã passou por uma experiência parecida, mas insistiu e se apaixonou. Bateu uma curiosidade na época, uma vontade de entender quais elementos no desenrolar da narrativa tinham tornado a série tão viciante para ela, mas não foi suficiente para me fazer encarar a leitura de novo.
Cinco anos depois, pandemia bombando e eu mergulhada em livros para esquecer do mundo, esbarrei em Ferrante num dos ensaios da santa padroeira desta newsletter, Jia Tolentino. Em Heroínas puras, ela levanta a bola de como a maioria das personagens femininas tem sua trajetória contada a partir de figuras masculinas - seja como objeto de paixão ou de ódio. No entanto, não vemos isso nas histórias criadas pela autora italiana.
"E então há Elena Ferrante, que fez o que nenhuma outra escritora conseguiu fazer em uma escala comercial. Ela injetou em suas histórias sobre mulheres um inconfundível brilho de sentido universal através de uma especificidade abertamente feminista; criou um universal concreto dominado por mulheres (...) Sua obra - Amor incômodo, Dias de abandono, A filha perdida e a tetralogia napolitana - constrói um mundo italiano do pós-guerra povoado por homens que detêm o poder externo e mulheres que ditam as regras de consciência e identidade."
ensaio Heroínas Puras, em Falso Espelho - Jia Tolentino
Vai dizer que não dá vontade de ler Ferrante depois da definição acima? Eu, pelo menos, voltei à leitura imediatamente. E focada em perceber os pontos levantados por Tolentino, passei a curtir A amiga genial - uma história de formação, onde o mais importante é o que se passa no mundo interno das personagens e como elas reagem às mudanças impostas pelo crescimento.
Ainda assim, demorei todo esse tempo, 8 meses. E por quê? Um dos motivos é justamente a universalidade tão bem construída pela autora. Com o passar das páginas, precisei digerir bastante coisa. A relação de ambivalência entre Lenu e Lila - com trocas que alternam entre afagos e farpas, entre inspiração e inveja - me fez lembrar de amizades da adolescência e da vida adulta. Momentos em que notei minha identidade sendo formada, ou até mesmo invadida, a partir da convivência extrema com uma amiga. Uma puxava a outra, mas também repelia. Sentimentos conflitantes, difíceis de navegar.
Na percepção da filósofa italiana Adriana Cavarero, parafraseada por Jia Tolentino, "a identidade não é algo que possuímos de forma inata e então revelamos, mas algo que compreendemos por meio das narrativas que nos são fornecidas por outras pessoas". E essa compreensão quase sempre é dolorida, confusa - como qualquer processo de amadurecimento.
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