#138 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Citrus & Mint
Por um tempo achei que os livros de Jane Austen não me agradariam. Até onde eu sabia, as tramas giravam em torno de mulheres em busca de um casamento. O que isso poderia acrescentar na minha vida e na percepção que tenho dos lugares (TODOS) que devem ser ocupados pelas mulheres?
Com essa ideia em mente, fugi por um bom tempo das histórias de Austen - apesar da grande curiosidade, já que as personagens criadas por ela influenciam até hoje a literatura, e a cultura como um todo, e inspiram mulheres que admiro pra caramba.
Já não me lembro o que me fez parar com essa bobagem de tentar adivinhar se ia gostar ou não sem nunca ter lido uma frase, mas há uns três anos resolvi abrir Orgulho e Preconceito e me vi completamente sugada pelo mundo da família Bennet.
A história é essencialmente sobre casamento? Sim! Isso diminui o livro e as discussões trazidas por ele? Jamais! Jane Austen tem uma escrita carregada de uma ironia elegante e é, sim, uma questionadora da sociedade da época, a Inglaterra do final do século 18. E nesse período em que as mulheres não podiam possuir bens e nem tomar grandes decisões de vida, o casamento era um fator determinante. Não só pela grana em si, mas pela vida que estaria disponível para elas.
Se casasse com um homem rico e com um bom círculo social, a mulher teria mais chances de conhecer pessoas interessantes, lugares pelo mundo e teria acesso a livros e até a algum tipo de ensino. No caso de não conseguir um bom enlace, sua vida muito provavelmente se resumiria a cuidar da casa e dos filhos. E se não casasse de maneira alguma, seria vista como um fardo para a família. Daí a importância dada à fase em que a menina se tornava elegível para um matrimônio - isso acontecia em idades chocantemente baixas.
Ler mais sobre essas questões abriu minha cabeça para romances escritos em outros séculos, ou que tratam de outros períodos, e focam bastante na busca por um par. Não se trata apenas de amor ou de traçar um único destino às mulheres, o casamento pode ser entendido também como tábua de esperança - ou a perdição - para algumas delas.
Eu me deparei com o tema novamente no livro Pachinko - uma saga familiar que aborda os anos em que o Japão dominou a Coreia e também a situação dos coreanos depois da Segunda Guerra Mundial. Em 1932, a personagem central, a Sunja, se vê grávida de um homem casado. Ela rejeita a possibilidade de se tornar amante e decide seguir sozinha. Mas como? Uma mulher solteira grávida era algo inaceitável e ela não seria a única a sofrer preconceito. A hospedaria da família ficaria às moscas assim que a notícia se espalhasse.
A saída para Sunja aparece, então, na forma de um jovem pastor que propõe casamento mesmo sabendo que ela carrega o filho de outro homem. Ela topa e vai viver no Japão. Constrói uma família por lá com muito esforço e muita resignação - o caminho dela agora era ser fiel ao pastor, sempre grata por ter sido salva de um destino pior: uma vida sem marido, sem um pai para o filho, sem a proteção que a presença masculina fornecia numa nação devastada.
"Você está se tornando uma mulher, então precisa aprender isto: o homem com quem se casar vai determinar sua qualidade de vida. Um bom homem vai lhe dar uma vida decente, já com um homem ruim você terá uma vida amaldiçoada"
- Pachinko, Min Jin Lee -
Hoje, ainda que muita coisa tenha mudado, a escolha de quem nos acompanhará na jornada continua fazendo toda diferença - sendo o arranjo um casamento tradicional ou não. Quantas amigas você tem com parceiros/parceiras que as limitam? Gente que não fica feliz com as conquistas no trabalho, que não incentiva a construção de coisas novas, que não deseja nenhuma evolução. Está cheio de mulheres por aí que se anulam numa relação porque não podem ser o que querem sem assustar ou incomodar o outro.
Um trecho de uma das canções que eu mais gosto diz o seguinte: onde você investe seu amor, você investe sua vida.
Pachinko foi uma leitura pra lá de marcante. E preciso dizer que trata de temas que vão muito além da condição frágil da mulher na sociedade. O livro discute bastante o conceito de nação, de pertencimento. Os coreanos eram considerados seres indesejados no Japão - ainda que muitos tenham nascido em território japonês. Se sua família tinha origem coreana, você seria para sempre considerado um estrangeiro - e teria pouquíssimos direitos. Gostei muito de saber um pouco desse período histórico e estou com vontade de pesquisar mais. Fiz um vídeo contando mais sobre o livro.
Daqui uns dias, será lançado em português um dos livros de ensaios mais famosos de Joan Didion: Rastejando até Belém - já garanti o meu na pré-venda <3
E no fim do mês, também sai uma nova coletânea com os ensaios escritos no começo da carreira de Didion
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