#136 Queria ser grande, mas desisti
Você já deve ter percebido que nos últimos dias estão transbordando por tudo que é canto novas edições dos livros mais icônicos de George Orwell. Tudo porque a obra do autor entra em domínio público a partir de janeiro de 2021 - e deixa de ser exclusividade da Companhia das Letras.
Até aí tudo bem, é fácil de entender a corrida das editoras para publicar edições com capas lindas, e talvez com novas traduções e textos de apoio. Só que esse movimento também tem gerado críticas: faz sentido inundar as prateleiras com trilhões de opções dos mesmos livros que já estavam presentes por aqui? E o restante da produção de Orwell - que não é tão popular como 1984 e Animal Farm, mas tão bom quanto - vai receber o mesmo tratamento? E tantos autores importantes que já estão em domínio público e ainda não receberam edições brasileiras?
Eu, por exemplo, gostaria muito que reeditassem o livro Dentro da Baleia e outros ensaios, de Orwell, que está com a versão física esgotada há tempos. É nele que está um dos ensaios mais famosos do autor: Por que escrevo. Um texto que faz com que a gente entenda melhor os propósitos por trás da publicação dos livros, já que para ele não se tratava de arte pela arte: a escrita era também uma forma de alerta.
No ensaio em questão, Orwell lista os quatro grandes motivos que levam alguém a escrever. O primeiro é o que chama de puro egoísmo: um desejo de ser ouvido, lembrado, vingado. Característica que vê também em cientistas, políticos, advogados, jornalistas. O segundo motivo é o entusiasmo estético, explicado por ele como "o prazer no impacto de um som sobre o outro, na firmeza de uma boa prosa ou no ritmo de uma boa história". Acho lindo isso, essa dedicação à costura do texto.
O terceiro gatilho citado por ele é o impulso histórico, a vontade de retratar os fatos como eles são - deixando evidente a profunda ligação com o fazer jornalístico. Assim como o quarto ponto - propósito político - apresenta outro pilar da obra de Orwell: a defesa de que arte e política são indissociáveis. "A opinião de que arte não deveria ter a ver com política é em si mesma uma atitude política", define ele.
As experiências vividas no período entre e durante guerras impossibilitaram que fosse diferente. Todo escritor é fruto de seu tempo e Orwell aponta a Guerra Civil Espanhola como um marco - quando com pouco mais de 30 anos partiu para lutar ao lado dos republicanos. Diz que cada linha que escreveu a partir de 1936 foi uma resposta, "direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrata".
"[...] o reexaminar minha obra, percebo que foi sempre onde me faltou um propósito político que escrevi livros sem vida e fui induzido a escrever passagens floreadas, frases sem significado, adjetivos decorativos e, em geral, falsidades."
Fiz esse resumo como um grande lembrete de como temos muita coisa boa de Orwell para ser revisitada, sem que tenhamos uma overdose de 1984 e Animal Farm. Espero que alguém importante no mundo editorial esteja lendo isto aqui (a louca!).
O perfil Eulittera fez um ótimo post sobre o tema: o domínio público justifica a saturação do mercado?
Ansiosa pela publicação deste livro aqui - já está em pré-venda. Eu sou uma grande fã de autores asiáticos <3
E aproveitando, deixo aqui a compilação feita pela Gabi Barbosa de dicas de livros do outro lado do mundo
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