#132 Queria ser grande, mas desisti
"Apenas em nascimentos e mortes é que saímos do tempo. A Terra detém sua rotação e as trivialidades com que desperdiçamos as horas caem no chão feito purpurina. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente se parte ao meio e nos permite espiar durante um instante pela fresta da verdade— monumental, ardente e impassível."
O trecho aí de cima faz parte da primeira página do livro A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Rosa Montero - uma narrativa sobre luto e os processos internos que percorremos em busca de uma cura para a dor indizível que é perder alguém que amamos.
Não é um tema que agrada a todos, mas para mim acaba sendo uma espécie de terapia. Desde que perdi meu pai, há dezesseis anos, tenho muita curiosidade em saber como outras pessoas lidam com a morte. Elas sentiram o mesmo que eu? Tinham também um grande medo de cair num buraco escuro, mesmo sem nenhum sinal de que poderia acontecer?
Rosa Montero fala sobre isso, sobre a necessidade que tinha de mostrar que estava suportando bem, de que não ficaria louca ou paralisada após a morte do marido. Ela, assim como eu, precisava estar no controle, ainda que diante de uma dor tão terrível.
"Encarei o luto como uma doença da qual precisava me curar o quanto antes. Creio que é um erro bastante comum, porque na nossa sociedade a morte é vista como uma anomalia, e o luto, como uma patologia."
São em passagens como essa que eu digiro, pouco a pouco, o que senti aos dezoito anos. E foi uma sensação parecida - de identificação, de reconhecimento - que impeliu Rosa Montero a escrever este livro que tanto me tocou.
Uma editora pediu que ela fizesse uma apresentação para a publicação do diário da cientista e pioneira Marie Curie - "pouco mais de vinte páginas redigidas ao longo de doze meses após a morte de seu marido, que faleceu aos 47 anos atropelado por uma charrete".
Montero, que até então não entendia o apelo em tornar pública uma dor tão pessoal, mudou de ideia e viu no estudo daquele diário - e da vida fantástica de Curie - a oportunidade de assentar tudo que ela mesma tinha enfrentado. E o resultado é lindo, um livro sobre dor que não te deixa triste, mas, sim, com mais força.
E para além do luto, é uma obra sobre mulheres que ousaram ser mais do que a sociedade queria para elas. Fala sobre ocupar o nosso lugar num mundo dominado por homens. Sobre paixão pela descoberta, a insistência num objetivo que parece inatingível. Fala sobre vida, sobre lidar com fato de que viver também implica em morrer.
Não bastando um livro sobre luto, li também F de Falcão, de Helen Macdonald - os dois para o curso de literatura contemporânea que ando fazendo. E, caramba, ler assim pertinho um do outro teve um efeito e tanto. De comparação mesmo, de possibilidades da dor. E se o tema te interessou ou você está precisando falar sobre isso, recomendo fortemente também O ano do pensamento mágico, de Joan Didion.
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