#118 Queria ser grande, mas desisti
Ilustração: Annelies Draws
Com o mundo lá fora tão perigoso, estamos nos voltando ainda mais para o digital. Gente que nunca tinha comprado nada pela internet, ou participado de uma videoconferência, já está ficando craque nas interações via tela. É um movimento que me lembra muito o livro Jogador nº1 - onde a vida nas cidades se tornou tão caótica que as pessoas passam a maior parte do tempo numa realidade virtual.
Acontece que o mundo criado por Ernest Cline tem muito mais recompensas do que a rede que nós conhecemos. No Oasis, por exemplo, você pode realmente frequentar uma escola, com colegas ao seu lado, com conversas num ritmo normal, sem atrasos no áudio ou imagem travada. Você também pode criar a casa dos seu sonhos, com a decoração que sempre quis e, por meio de sensores ligados ao corpo, existir naquele espaço como se fosse pra valer.
A nossa realidade virtual, por enquanto, não é tão avançada como a do livro. Tem, sim, um tanto de coisa boa, mas tem também pontos bem negativos. Um deles, cada vez mais evidente, é o sentimento que as redes sociais despertam. Inveja e ansiedade são alguns dos principais. Acompanhar a vida dos outros e expor a nossa não é tão gostoso como foi no começo de tudo, não é?
Em seu livro de ensaios Falso Espelho, Jia Tolentino faz uma pergunta bem pertinente:
"Por que uma quantidade imensa de pessoas começou a gastar a maior parte de seu escasso tempo livre em um ambiente tão claramente tortuoso?"
Por quê? Eu ainda não consigo entender exatamente o que nos motiva, mas tenho uma teoria em formação. Penso que caímos nessa desavisados. Eu, pelo menos, não imaginava que as redes sociais se tornariam uma competição velada pelo melhor estilo de vida. Quando comecei a minha conta no Instagram em 2010, lembro de ficar muito empolgada, de ver naquilo uma oportunidade de trazer um olhar mais carinhoso para a minha rotina e usar aquele espaço como uma espécie de diário visual.
Não percebi naquele momento como os filtros, os likes e os seguidores poderiam iniciar um processo de distorção de identidade. Afinal, minha vida não tem como ser avaliada por fotos e legendas esparsas e nem pela interação dos amigos. Mas em algum momento essa noção da realidade foi ficando para trás e a presença online - a nossa marca digital - passou a ter muita importância. Algo que era para ser espontâneo, passou a ser calculado. E tudo aconteceu tão lentamente num primeiro momento, que, depois que as coisas se aceleraram e o Instagram virou isso que conhecemos hoje, nós já tínhamos sido fisgados.
Outro ponto que transformou a nossa experiência pela internet foi a monetização da tal influência. É bacana, claro, ver o dinheiro correndo para gente que faz coisas interessantes, que tem ideias inspiradoras. Mas também me faz pensar que muito do conteúdo no nosso feed está profundamente conectado ao consumo.
A Jia Tolentino comenta sobre isso:
"O comércio se infiltrou em nossa identidade e nossos relacionamentos. Geramos bilhões de dólares para as plataformas de mídias sociais graças ao nosso desejo - e também por uma obrigação econômica e cultural cada vez maior - de replicar para a internet quem conhecemos, quem achamos que somos e quem queremos ser. (...) Não há mais terras para o capitalismo cultivar, a não ser o eu."
Depois de terminar de ler esse ensaio chamado de O eu na internet fiquei com um nó na cabeça. Nada disso é novidade, é claro. Já faz um tempo que estamos refletindo sobre os efeitos nocivos dessa atual fase da internet, mas ver tudo exposto assim de forma tão objetiva e com exemplos pessoais... Sei lá, tornou tudo mais evidente para mim.
Eu passei boa parte da minha adolescência e vida adulta nesta rede e gosto de muitas coisas que encontrei por aqui, projetos que me possibilitou. Não pretendo abandonar nada, mas agora desfruto com um pouco mais de senso crítico. E minha ação principal tem sido fazer frequentes limpezas na lista de pessoas e marcas que eu sigo. Porque, por mais rápido que a gente role o feed, aqueles estímulos vão grudando na cabeça e, por isso, é importante que seja uma escolha ativa.
Hoje, separei boa parte dos links do Instagram mesmo, para dar exemplos do que tenho seguido que me faz bem <3
Sobre não poder sentir o que se sente por uma pressão das redes sociais
Blade Runner e a submissão dos corpos femininos na ficção científica - mais um ensaio bacanérrimo da Lígia Baleeiro, que conheci via Instagram
A Gabi Barbosa fez o exercício de deixar na estante, por alguns instantes, somente os livros escritos por mulheres. Depois, experimentou manter apenas as autoras negras
E se nós tirássemos os homens de fotos de momentos políticos?
Uma mãe escrevendo sobre a pandemia para os filhos lerem no futuro <3 Pega o lencinho!
Fiz mais um vídeo sobre leitura e desta vez para tirar a dúvida de uma amiga: como e onde encontrar livros legais?
Um dos exemplos que eu falo é a tetralogia da Elena Ferrante. Daí esbarrei nesse curso online que vai rolar sobre as obras dela ;)
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